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Publicado no Jornal da Tarde, 26/05/2004.

Quando estive na China

Foi em junho de 2000. Fiquei dez dias entre Pequim, Xangai e um pouco na zona rural. Cheguei numa sexta feira à noite. Devido à insônia do "jet lag", acordei às cinco da manhã do dia seguinte e saí para caminhar, completando nada mais nada menos do que 12 horas.

Andei pelos bairros pobres, pelas praças, pelo comércio de rua, vi milhares de cortiços, muito telhado precário, tijolos segurando telhas, etc. Pela manhã, é incrível o que se come na calçada, feito pelas chinesas panelões sempre quentes, onde fritam e cozinham de tudo - massas, verduras, carnes, peixes, mariscos – com quilômetros de mesinhas onde as pessoas saboreiam a comida, conversam e riem muito. Às vezes parece que vai sair a maior briga, mas é o jeito deles: falam alto.

No trânsito, apesar de caótico, não vi uma só discussão ou ofensa entre os motoristas ou entre os milhões de ciclistas. Na rua notei muito respeito. Os rapazes não mexem com as moças. Não vi nenhuma parede pichada. Perguntei o porque. Deram-me uma explicação vaga e outra precisa que, infelizmente, não consegui confirmar. A vaga é que muros e praças são bens públicos e, como tal, devem ser respeitados. A outra é que, o pichador que é pego em flagrante, é obrigado a passar um bom tempo pintando escolas, centros de saúde e outros prédios até acabar a vontade de pichar.

Para chegar à China, não contatei nenhuma autoridade brasileira, nem chinesa. Estabeleci relações prévias com professores, jornalistas e um ex-aluno da USP. Conversei muito com os chineses com a ajuda deles. Foi aí que senti o gigantismo da minha ignorância. Sempre vi a China como uma sociedade misteriosa. Estando lá, vi que é assim mesmo.

Mas, é claro, os chineses são seres humanos que comem, dormem, amam, divertem-se, vendem e compram - o que deve ser alvo da missão brasileira que está lá agora. As primeiras notícias dão conta de um festival de protocolos de intenções e contratos preliminares. Mas comprar efetivamente é um outro gesto - bem mais demorado.

Fechar negócios na China requer um bom conhecimento dos hábitos, valores e padrões de comportamento. O estilo chinês é bem diferente do nosso. A paciência é um ingrediente indispensável. Outro ingrediente é compreender que tudo passa pela burocracia governamental, tendo por trás, o monitoramento do partido. No meio de um negócio, já bastante adiantado, ou entre um protocolo de intenções e uma compra, se um superior desconfiar de alguma coisa, o seu subordinado interrompe o negócio na hora.

Na China, o relacionamento pessoal vale mais do que o contrato. O "guanxi" é a teia de relações que está por trás de tudo. Quem não entra nessa teia, não concretiza negócios, só consegue promessas.

Para entrar no guanxi, é preciso fazer o chinês confiar no interlocutor. É uma outra filosofia. Quando se precisa de um sócio, o guanxi prega que se deve escolher um parente. Na falta de um parente, deve-se escolher um ex-colega de escola. Na falta deste, um vizinho de longa data. Na sua ausência, um amigo. Na falta deste, um estranho que seja avalizado por um parente, colega, vizinho ou amigo...

Ao lidar com as autoridades que concedem as licenças e autorizam os negócios, é preciso lembrar que todo chinês gosta de receber presentes, mas estes não podem ter o caráter de suborno. A linha divisória entre os dois é muito tênue. Quem não apreende essa diferença, não entra no guanxi, pode fazer as malas e voltar para casa.

Estou aqui torcendo pela volta da missão, torcendo para que os brasileiros saiam da China com dinheiro no bolso - além das promessas e intenções.