Publicado no Jornal da Tarde, 14/04/2004.
Fernando Henrique Cardoso
Acho que isso acontece com todos nós... olhando para meu passaporte, oscilo entre o orgulho e a vergonha de ser brasileiro. Mas escrevo este artigo em momento de orgulho. Explico-me.
Há mais de 40 anos que sou membro da Associação Americana de Sociologia que, dentre suas várias contribuições acadêmicas, publica um boletim mensal chamado "Footnotes" que dá notícia das carreiras dos cientistas sociais mais ilustres. Em seu último número, o brasileiro Fernando Henrique Cardoso foi considerado o sociólogo de maior visibilidade no mundo.
Com base em pesquisa criteriosa de toda a sua obra, a publicação revela que o ex-presidente não só escreveu extensamente no campo da sociologia, como teve a chance de implementar inúmeros programas na Presidência da República que valorizaram os seres humanos e as instituições democráticas como foram os casos da melhoria da educação, redução da mortalidade infantil, combate à AIDS, diminuição do trabalho dos menores, discussões democráticas dos problemas ambientais, raciais e das minorias, e tantos outros ("Cardoso: a most public sociologist", Footnotes, Vol. 32, no. 3, março de 2004).
Ao responder os que criticam FHC por ter abandonado o que escreveu, Footnotes registra que nenhum sociólogo do mundo conseguiu pôr em prática uma quantidade tão grande da ciência que aprendeu. É isso que levou a Associação Americana de Sociologia a convidar Fernando Henrique para dar uma aula magna no seu próximo congresso, a se realizar em agosto de 2004, em San Francisco, sob o tema: "O sociólogo como Presidente". Esta eu não quero perder...
Na entrevista concedida ao Footnotes, Fernando Henrique deu uma "palhinha" do que será sua aula. Como professor de grandes classes de estudantes (tenho orgulho de ter sido seu aluno) e estudioso dos problemas sociais, ele disse que a sociologia lhe foi muito útil ao ajudá-lo a simplificar explicações sobre assuntos complexos e a levar seus contendores a se convencer da necessidade de mudança. Como político, aduziu, sentiu-se muitas vezes incomodado pelos "marqueteiros" que tentavam-no a prometer o impossível.
No meio de contínuos choques de idéias, o sociólogo Fernando Henrique reconhece que aprendeu muito com a política, especialmente sobre a arte de contemporizar e buscar o caminho da conciliação.
Sobre a arte de governar, Fernando Henrique dirá em agosto que a democracia dos movimentos transnacionais dos dias atuais e futuros, exigirá dos governantes uma alta capacidade para conceber e implementar valores cosmopolitas – muito mais do que valores paroquianos.
Fiquei pensando nessa frase: governar exige mais cosmopolitismo do que paroquianismo. Gostemos ou não, o mundo se globalizou em todos os campos. Por isso, pouco ajuda usar as metáforas do futebol brasileiro e aludir à triste sorte do Corinthians para passar mensagens que sejam inteligíveis e capazes de convencer os governantes do resto do planeta, assim como não ajuda em nada vangloriar-se de não ter diploma universitário ou de não falar línguas estrangeiras no momento em que temos de nos comunicar com povos de cultura tão variada. Isso só serve para emitir sinais trocados (e paroquianos) à nossa juventude que terá de viver e conviver com valores transnacionais (e cosmopolitas).
Gilberto Dimenstein que, além de extraordinário jornalista, é um lutador incansável no terreno da educação, em um de seus artigos, afirmou uma coisa que me preocupou como professor e cidadão. Diz ele: "Já ouvi de vários estudantes, de diferentes escolas, a idéia de que Lula mostra que, mesmo sem estudo, alguém consegue se virar". Na mesma matéria uma professora de inglês relata que um de seus alunos, que não prestava atenção a suas aulas e não ia bem nas provas... para justificar-se, disse a queima roupa: "professora, o Lula falou que inglês não serve para nada" (Gilberto Dimenstein, "180 mil jovens não conseguiram ocupar 872 empregos", Folha de S. Paulo, 06/07/2003).
Embora seja fluente em inglês, francês e espanhol, Fernando Henrique conta na referida reportagem que precisa estudar mais, pois não domina aquelas línguas o suficiente para emitir mensagens simples sobre assuntos complicados.
Ao que tudo indica, o mestre pretende continuar estudando. Aliás, acho que peguei um pouco dessa obsessão. Fiquei nervoso quando tive de dar a minha última aula, ao me aposentar na Universidade de São Paulo pois, afinal, eu estava começando a aprender. Não me conformei. Voltei a lecionar e a ouvir os alunos... Nós só tomamos consciência de nossa ignorância no momento em que nos pomos a estudar.
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