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Publicado no Jornal da Tarde, 26/07/2003.

O poder das minorias

Os partidários do PT passaram a vida atacando a desigualdade causada pelo FMI, globalização, dívida externa e outras causas exógenas. Ao chegar ao poder, perceberam que grande parte da desigualdade é endógena pois é gerada por ações dos próprios brasileiros.

Como primeira providência, tentaram reduzir uma das mais terríveis desigualdades, ou seja, a que faz o trabalhador de baixa renda do setor privado pagar pela aposentadoria e pensões dos funcionários de alta renda do setor público. Esse era o objetivo do projeto original da reforma previdenciária. O acordo político que prevaleceu, porém, foi na direção oposta.

Sei que, no longo prazo, a Previdência Social caminhará para um regime único – parabéns ao Presidente Lula e ao Ministro Berzoini. Infelizmente, os dois capitularam em pontos que preservarão a desigualdade atual por várias décadas. Os servidores aposentados continuarão recebendo benefícios com base no último salário (integralidade) e reajustados como os do pessoal da ativa (paridade).

Foi uma solução elitista. Um pequeno grupo de funcionários públicos que, na maioria das vezes, não aportaram o suficiente para receber os benefícios que lhes são pagos, com freqüência, acima de R$ 7.000,00 mensais, continuará sobrevivendo às custas de uma imensidão de trabalhadores que aportaram bem além do que recebem como aposentados – em média R$ 350,00 por mês.

De onde vem esse descalabro? Do FMI, dos credores externos, da globalização? Nada disso. Vem das concessões de políticos do PT e de outros partidos de esquerda, que ganham eleições prometendo ao povo combater a desigualdade social quando, na realidade, são os primeiros a mantê-la com seus discursos e votos no Congresso Nacional.

Assim como "o petróleo é nosso", para recordar o slogan que impulsionou a Petrobrás, a desigualdade também a nossa, para ressaltar a ação oportunista dos que se elegem com o voto popular e votam contra o povo depois de eleitos.

As desigualdades vão mais longe. Dos 75 milhões de brasileiros que trabalham, 30 milhões apenas têm as proteções previdenciárias. Os demais 45 milhões estão na informalidade e não contam com nenhum dos benefícios oferecidos pela Previdência Social. Dos 30 milhões que são protegidos, há um grupo dos superprotegidos, que não chega a 5 milhões. São estes que mais esbravejaram e que "comoveram" os corações dos governantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que, mais uma vez, decidiram perpetuar os desequilíbrios sociais.

É sempre assim. Os que estão abrigados na cidadela da proteção sempre vencem os que estão no mundo da exclusão. É a força das minorias, apoiada pelo poder dos governantes.

O Brasil é o paraíso das "desigualdades legais", umas com base constitucional, outras com base em leis ordinárias ou sentenças judiciais. Todas legais! Com isso, os brasileiros pobres continuam com um estreito acesso ao seguro desemprego, ao FGTS, à licença para tratamento de doenças e outras proteções básicas. Eles são excluídos porque as leis bloquearam suas vidas.

Veja o caso da educação. Um aluno de família rica, depois de pagar escolas médias caríssimas, ganha de presente, o privilégio de cursar universidades gratuitas - pagas pelo Estado. A desigualdade entre os que recebem e os que não recebem um bom ensino prejudica a empregabilidade, a carreira e a renda. Tudo isso garantido por lei.

Há centenas de outros exemplos de desigualdade legal, produzidos por nós mesmos. O FMI, o Banco Mundial e os credores internacionais, em matéria de geração de desigualdades, são "café pequeno" em vista do que é feito pelos brasileiros no seio do Congresso Nacional.

Isso é triste e constitui uma fonte de profundas frustrações. O Brasil precisa mudar. Não podemos ficar incensando eternamente os privilégios adquiridos das minorias que, no fundo, determinam a desgraça da maioria – tudo isso garantido por leis.

Oxalá os eleitores usem essa lição para melhorar o seu voto na próxima eleição. O que eles não podem é perder a fé na democracia, mesmo diante dos desaforos que os eleitos praticam.