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Publicado no Jornal da Tarde, 31/03/2004.

Cale-se

Fiquei intrigado ao ver o Presidente Lula pedir a seus ministros que parem de falar. Já vi governos sendo criticados porque os ministros não conversavam entre si. O próprio PT criticou governos passados porque os ministros não eram transparentes com o povo, deixando de expor à imprensa o que se passava em suas pastas.

É a primeira vez que vejo um governo impedir que seus ministros falem e informem. Pelo que entendi, daqui para frente, quem vai falar é o departamento de propaganda, haja visto a volumosa verba governamental alocada à publicidade até o fim de 2004. Ou seja, ministros calam e publicitários informam.

Dizem que os ministros de Lula, quando falam, falam demais. Ou se xingam. Ou criticam o próprio governo, a ponto do Ministro Luiz Gushiken avisar por meio do Jornal Nacional que, doravante, seus colegas "não terão mais liberdade de falar" depois de decisão tomada pelo Presidente da República. Foi um tremendo "cala-se" - um "cale-se oficial". Não estou entendendo mais nada, pois achei que estava vivendo numa democracia.

No passado, vi o PT estimulando o Ministério Público a passar para a imprensa os dados dos processos em andamento e que visavam esclarecer eventuais desmandos do Poder Público. Hoje, vejo o PT querendo que o Ministério Publico se cale.

Para contornar as críticas sobre a paralisia que domina a economia, o governo decidiu, às pressas, liberar cerca de R$ 2 bilhões para atender as emendas dos parlamentares ruidosos que levam à televisão as críticas ao desemprego, taxas de juros, tributos elevados e tantas outras mazelas. Trata-se de mais uma tentativa de "cale-se", neste caso, praticada no coração do Poder Legislativo.

Por falar em televisão, tenho a impressão que algumas emissoras parecem estar pautadas pelo próprio governo no tratamento do caso específico do desemprego. Seriam os R$ bilhões do BNDES para salvar as empresas em perigo que estariam levando os repórteres a dizer que o problema não é tão grave assim, e que há muitas cidades que estão apresentando generosas ofertas de vagas?

Na mesma linha, tenho notado algumas reportagens que tentam desqualificar a metodologia adotada pelo IBGE para medir o desemprego, tradicionalmente medido nas seis regiões metropolitanas. Neste caso, o recado é assim: no interior do Brasil a situação é muito diferente; o desemprego grave é fenômeno das regiões metropolitanas.

Ou seja, não é a febre que está alta, mas é o termômetro que não presta, na tentativa de difundir a incredulidade científica sobre um órgão respeitado mundialmente. Estariam querendo meter um "cale-se" no IBGE?

A propósito do desemprego, li nos jornais do fim de semana que o governo cogita "exportar brasileiros" - uma idéia que, segundo as notícias, estaria sendo gestada no Conselho Nacional de Imigração.

Assim é a vida. Já que não dá para criar os empregos prometidos, vamos abrir as portas para os demandantes saírem, na certeza de que, lá fora, ficarão quietos. Mais um "cale-se".

Diante de tantos "cale-se", lembrei-me da belíssima canção de Chico Buarque de Holanda, criada no auge do autoritarismo, e da qual extraio os seguintes trechos para refrescar a memória de todos.

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento