Artigos 

Publicado no Jornal da Tarde, 04/09/2002.

Crise econômica e democracia

Os latino-americanos nunca foram muito fanáticos pela democracia. Para eles, os homens sempre contaram mais do que as instituições. Toda vez que apareceu um líder forte dizendo ser capaz de resolver uma crise - o povo respondeu: "assuma e resolva".

No dia 30 de março de 1964 (um dia antes da intervenção militar no Brasil) uma pesquisa de opinião pública realizada no Rio de Janeiro pediu para as pessoas listarem os problemas mais prementes naquele momento.

Menos de 5% deram prioridade para a bomba política que estava prestes a explodir. Cerca de 78% colocaram na cabeça da lista a inflação de 100% ao ano e a falta de empregos.

Na mesma pesquisa, 60% dos entrevistados revelaram seu desejo de ter um líder forte para solucionar os problemas apontados, desprezando inteiramente a idéia de que os cidadãos comuns deveriam participar das decisões.

Ou seja, numa hora de forte crise política, os brasileiros estavam atrás de um "pulso firme" para resolver a crise econômica - no mais puro estilo de pragmatismo.

Vinte e cinco anos mais tarde, ultrapassados os anos críticos da intervenção militar, uma enquete realizada em meados de 1989, quando a inflação chegara a 40% ao mês, 59% dos entrevistados consideraram os anos dos governos autoritários melhores do que os da democracia. Cerca de 50% dos brasileiros atribuíam a causa dos problemas ao vigente governo democrático (José Sarney) e não aos militares que o antecederam. E, na eleição de novembro, buscaram entre Lula e Collor o líder que aparentava ter competência e pulso firme por combater os desmandos, os aproveitadores, as elites e a corrupção.

Depois de quase 40 anos, vemos que pouca coisa mudou. Em uma pesquisa realizada em 2002, apenas 37% dos brasileiros preferem a democracia em relação aos governos autoritários de governo e quase 2/3 continuam valorizando mais os heróis do que as instituições ("Latinobarómetro", Santiago: Opinión Pública Latinoamericana, 2002).

A Revista The Economist (17/08/2002) lembra que os latino-americanos até têm motivos para de desencantarem com a democracia e o livre mercado. Para a maioria dos países que adotaram esses regimes (político e econômico), a situação piorou.

Os articulistas da revista fazem, então, a seguinte pergunta: que tipo de solução esses povos desejam?

Ao que tudo indica, os latino-americanos esperam muito pouco dos partidos, dos congressistas e das demais instituições democráticas. Eles continuam buscando uma personalidade forte e competente que assuma e resolva a questão.

Será que a preferência vai mais para a esquerda ou mais para direita? Não há sinais de preferência de coloração política. Tanto que, nos anos recentes, os latino-americanos votaram para o ex-Coca Cola, Vicente Fox no México; para o conservador Álvaro Uribe na Colômbia; e para o anti-liberal Hugo Chavez na Venezuela.

Os eleitores da região, inclusive os brasileiros, continuam são mais pragmáticos do que ideológicos. Na hora da crise, seu principal desejo é se agarrar em quem aparenta reunir as condições para resolver seus problemas.

Para quem aparenta ter a qualidade de competente e a posse de um pulso firme, os eleitores chegam a conceder uma certa liberalidade de linguagem que, muitas vezes, põe a Constituição e as instituições democráticas de lado, prometendo com toda a fôrça: "eu vou fazer". Nesse jogo, os eleitores toleram promessas que ultrapassam o permitido pela lei e ignoram a vigilância da Justiça. Mais uma vez, estamos diante da prevalência da personalidade sobre a institucionalidade.

Na atual campanha, felizmente, não há manifestações de saudosismo da intervenção militar - afinal, já se passaram quase 40 anos. Mas o povo está de olho nos ingredientes de quem pode compor a imagem de "salvador da pátria" que, sejamos francos, a maioria dos brasileiros cultiva na esperança de ver resolvidos, num passe de mágica, os problemas que mais os afligem.

Esta campanha está parecida com as anteriores. É o marketing da esperança e a concentração nas qualidades pessoais do sonhado "super-homem".

A propósito, alguém já se definiu a respeito dos candidatos ao Senado Federal e Câmara dos Deputados? Quantos dos brasileiros estão convencidos de que a maioria das soluções dos problemas terá de passar por eles? Quem se dá conta de analisar a viabilidade jurídica das promessas colocadas à venda?

Vou parar por aqui e deixar de ser impertinente. Não vou mudar uma cultura centenária com um artigo de jornal. Deixemos os brasileiros acreditarem que, como o regime é presidencialista, o que interessa é o Presidente... só ele.