Publicado no Jornal da Tarde, 03/10/2001
Descrença na democracia
Pesquisas recentes revelam que os povos da América Latina estão se desencantando com a democracia. O Brasil está no meio disso.
Pelos dados da tabela abaixo verifica-se um acentuado declínio entre os amantes da democracia e um aumento dos que optam por governos autoritários.
Porcentagem de concordância com as frases
abaixo em países selecionados
|
A democracia é melhor do que qualquer outro tipo de governo |
Em certas circunstâncias, um governo autoritário é melhor do que um Democrático |
PAÍSES |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
2000 |
2001 |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
2000 |
2001 |
Argentina |
76 |
71 |
75 |
73 |
71 |
58 |
11 |
15 |
15 |
16 |
16 |
21 |
Bolívia |
s.d. |
64 |
66 |
55 |
62 |
54 |
s.d. |
17 |
16 |
22 |
13 |
17 |
Brasil |
41 |
50 |
50 |
48 |
39 |
30 |
21 |
24 |
19 |
18 |
24 |
18 |
Chile |
52 |
54 |
61 |
53 |
57 |
45 |
19 |
19 |
16 |
16 |
19 |
19 |
Colômbia |
s.d. |
60 |
69 |
55 |
50 |
36 |
s.d. |
20 |
13 |
17 |
23 |
16 |
México |
49 |
53 |
52 |
51 |
45 |
46 |
15 |
23 |
31 |
28 |
34 |
35 |
Peru |
52 |
63 |
60 |
63 |
64 |
62 |
23 |
13 |
16 |
12 |
13 |
12 |
Uruguai |
80 |
80 |
86 |
80 |
84 |
79 |
8 |
9 |
7 |
9 |
9 |
10 |
Venezuela |
60 |
62 |
64 |
60 |
61 |
57 |
21 |
19 |
17 |
25 |
24 |
20 |
Fonte: Latinobarometro, Santiago, Chile, in The Economist, 28/07/2001.
Esses dados se referem ao período de 1995-2001. O país que mais resistiu na sua fé democrática foi o Uruguai. A proporção de uruguaios que acreditam na democracia ficou praticamente estável em todo o período - em torno de 80% - e os que nutrem uma simpatia pelos governos autoritários subiu de 8% para apenas 10%.
No Perú, que conviveu com o autoritarismo de Alberto Fujimori, apresentou uma sensível melhora. Cerca de 52% acreditavam na democracia em 1995; em 2001, essa proporção passou para 62%. Entre os que admitem governos autoritários, a proporção caiu de 23% para 12%. A história recente de arbítrio fortaleceu os valores democráticos.
O caso do Brasil é triste. Em 1995, apenas 41% acreditavam na democracia. Já era a mais baixa taxa de apreço. Isso subiu um pouco nos anos de 1996-98. Mas despencou ainda mais ao longo do tempo, chegando a 30% em 2001. Em contrapartida, a simpatia pelos governos autoritários que já era alta em 1995 (21%), continuou no mesmo patamar no ano 2001 (18%).
Nesse período, a maioria dos países conseguiu estabilizar a moeda e controlar a inflação. Mas, os benefícios desse resultado não se fizeram sentir na área social. Os países cresceram aquém do necessário. O desemprego e trabalho informal aumentaram. A desigualdade cresceu. A criminalidade tomou conta das cidades. A violência invadiu o campo. O uso de drogas explodiu. Tudo isso afeta a concepção de regime ideal para o povo.
Com exceção do Uruguai, para os demais países, e para a maioria das pessoas, a democracia é um regime que ainda tem de provar que é bom. A construção de um regime democrático sólido em países de grande desigualdade e violência crescente é uma tarefa extremamente difícil.
O que será que acontecerá daqui para frente com o anêmico compromisso dos latino-americanos com a democracia no continente? A explosão da guerra e o uso de métodos truculentos por países que eram tomados como paradigmas de democracia não constituem bons exemplos para elevar a superioridade dos regimes democráticos. Ademais, a guerra, a recessão, a desigualdade, o desemprego, a violência e a instalação de estados policiais poderão agravar ainda mais o desencanto dos latino-americanos em relação à democracia. Entramos num tempo de grandes transformações. Oxalá as liberdades civis consigam de manter como um valor mais alto na turbulência que se aproxima. Nunca foi tão importante usar a democracia que ainda temos para remover os entraves internos que constrangem o crescimento econômico e o progresso social. Nunca foi tão urgente a necessidade de se concluir as reformas estruturais na América Latina e, no Brasil, em particular. |