Publicado no Jornal da Tarde, 03/02/2001
Um novo autoritarismo?
José Pastore
Você sabia que a taxa de mortalidade já é maior do que a de natalidade? Você tinha idéia que a vida média caiu de 70 para 60 anos? E que a tuberculose, difteria e poliomielite espalham-se de forma epidêmica?
O quadro é alarmante e carrega consigo um enorme sofrimento humano. É o que está acontecendo na Rússia. A crise econômica levou o sistema de saúde ao colapso total. A população definha. É o resultado de mais de 70 anos de um regime autoritário e centralizado, que acreditou ser possível progredir, oprimindo a criatividade humana.
O derrocada da economia afetou até a demografia. As moças russas não encontram homens para casar, pois poucos são os que têm trabalho para sustentar uma família. Nos últimos dez anos, a taxa de casamentos caiu 30% e a de divórcio aumentou 60%. A natalidade despencou. Em 1990, cada mulher tinha, em média, dois filhos. Hoje, apenas um. O povo está encolhendo. Na última década, a Rússia perdeu 3,5 milhões de habitantes. Hoje, perde 750 mil pessoas por ano.
Isso tudo forma as cenas de uma colossal tragédia humana. Homens e mulheres adultos adoecem e morrem por razões inconcebíveis no século XXI. Grande parte dos que sobrevivem se entregam à bebida e à droga, propelidos por uma atemorizante desesperança. As crianças não são concebidas e não nascem, condenando o País a ter uma população de velhos. O sofrimento aumenta. O frio castiga a todos. A energia é escassa e o aquecimento é precaríssimo.
Ao lado disso, prospera um sentimento de fé no ex-agente da KGB, um homem de 48 anos, dedicado aos esportes violentos e que se propôs a restaurar a ordem em seu País – Vladimir Putin.
No meio de um mar de problemas, ele conta com 70% de aprovação do seu povo. É a grande tábua de salvação na qual todos se agarram para desviar o seu destino. Eleito há um ano, o Presidente Putin busca reconstruir a dignidade do povo russo, procurando restabelecer um Estado forte e que seja capaz de garantir segurança e bem estar.
É sobre isso que cresce a sua popularidade. O que mais interessa ao povo é a recuperação da economia, o emprego, a renda, a educação e a saúde.
Putin tem sabido trabalhar nessa área. Mas, para levar a empreita adiante, ele retoma a retórica contra o imperialismo e os exploradores do mundo ocidental (em especial os americanos), buscando ali o apoio de que necessita por parte do povo. É impressionante a sobrevida do autoritarismo no inconsciente popular russo.
Da sua estratégia faz parte mostrar autonomia e estreitamento de relações com nações que os americanos não gostam. Ele se aproxima da China. Visitou a Coréia do Norte em solidariedade a um parceiro. Esteve em Cuba, prometendo um novo relacionamento com Fidel Castro. E, para coroar as provocações, abandonou o acordo que a Rússia mantinha com os Estados Unidos de não vender armas ao Irã.
A conduta de Putin deve ser um dos grandes quebra-cabeças que George W. Bush terá de enfrentar ao longo de seu mandato, tão complicado quanto a tarefa de restabelecer um mínimo de entendimento na desordem do Oriente Médio.
A redução do sofrimento russo é uma causa humanitária. Mas o mundo espera que isso venha a ser alcançado dentro de padrões democráticos. Seria triste assistir a uma recaída de autoritarismo - uma doença pior do que todas as que atualmente castigam os adultos e as crianças da Rússia.
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