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Publicado em Jornal da Tarde, 20/10/1999

Uma nova agenda social

A Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) acaba de lançar um precioso livro delineando uma agenda social para o século XXI (OECD, A Caring World: The New Social Policy Agenda, Paris, 1999).

O grande desafio já do início do próximo século é o da reformulação das instituições que cuidam das várias formas de proteção social: seguro-desemprego, assistência à saúde, seguridade social e atendimento à criança.

Essas instituições foram desenhadas para um mundo bastante diferente do atual, quando as suas receitas superavam suas despesas. A vida média estava em 50 anos, restando poucos velhos para serem sustentados pelos jovens. A mulher, que ficava muito em casa, tinha um papel estratégico na criação dos filhos e na ajuda aos idosos.

Hoje tudo mudou. As pessoas vivem mais tempo. A vida média nos países avançados é de 78 anos. No Brasil é de 65 para os homens e 72 para as mulheres. Os que dependem dos moços são muitos. As despesas com os idosos fazem explodir as finanças da seguridade social. Com muitas mulheres trabalhando fora de casa, aumentou o número de crianças e idosos que dependem de instituições externas para receber o amparo que era garantido pela família. As doenças fatais tonaram-se doenças crônicas, passando a exigir vultosos recursos para o seu tratamento.

Esse complexo de fatores comprometeu a saúde financeira das instituições que cuidam da proteção social. Em quase todo o mundo elas são deficitárias, e os rombos não páram de aumentar.

Viver ficou muito caro. Os sistemas de proteção não estão dando conta. Muita gente está ficando fora do seu alcance. Cresce o número de excluídos.

Aí é que está o ponto mais sério da questão. As instituições atuais mais excluem do que incluem os que delas necessitam. Atente bem. O seguro-desemprego é para quem já trabalhou. A aposentadoria é para quem contribuiu. A creche mantida pela empresa é para quem está empregado. O trabalho por prazo determinado é para quem é aprovado pelo sindicato. E assim por diante.

Para enfrentar a escassez de recursos, muitos países têm feito o mais prático, e também o mais injusto: estão cortando os benefícios dos que a eles têm direito. Resultado: amplia-se a exclusão social.

Mais grave do que isso é o desconhecimento das interações que existem entre as atividades do campo social. Se descuidadas, uma solapa a outra. A redução da taxa de fecundidade, por exemplo, ajuda a reduzir o número de consumidores de proteção social no longo prazo, mas agrava as finanças das instituições no curto prazo. O melhor cuidado da saúde dos jovens faz crescer as despesas com um maior número de velhos. A longevidade das pessoas adia a desocupação dos imóveis e impõe forte pressão na demanda habitacional. E assim por diante.

O problema se torna ainda mais complexo quando se verifica que as atividades de proteção social são realizadas por um grande número de ministérios e agências governamentais que pouco conversam entre si sobre a importância das referidas interações.

O mundo enfrenta enormes desafios no campo social. Para proteger grandes massas, as nações terão de redefinir as instituições atuais e criar novas. Terão ainda de aprender a trabalhar de forma sintonizada. Uma ação não pode anular outra. Mais do que isso, as instituições terão de se capacitar para capitalizar sobre o máximo de sinergia a ser gerada no seu próprio trabalho.

A aprendizagem será complexa. Trata-se de uma longa caminhada. No caso do Brasil, ajudaria muito se acertássemos a situação emergencial da previdência social para, em seguida, partir-se para reformulações de maior profundidade nos campos da seguridade social, saúde, educação e legislação trabalhista. Como se vê, a nossa agenda é mais extensa do que a dos países da OCDE.