Publicado em Jornal da Tarde, 25/08/1999
A etiologia da desesperança
As pesquisas de opinião pública mostram uma espantosa decepção do povo com o governo e com o Plano Real. A maioria dos brasileiros acha que sua vida piorou e que o governo não vai bem.
A virada aconteceu antes de completarmos um ano da última eleição. A mesma maioria que aprovou e elegeu o Presidente Fernando Henrique Cardoso, agora, se diz frustrada com o seu trabalho.
Quais são as causas dessa desilusão? Quais são as suas consequências para a psicologia social do brasileiro? Qual é o impacto disso na formação de movimentos sociais de reação?
A sociologia trata dessas questões no capítulo das expectativas. A satisfação dos seres humanos decorre de um balanço entre o que esperam e o que obtém na situação em que vivem.
Três princípios básicos explicam a propagação da satisfação ou insatisfação.
O primeiro princípio diz que as pessoas que possuem um baixo nível de satisfação, tendem a encarar as doses adicionais - mesmo quando pequenas - com muito mais valor do que as pessoas que desfrutaram de um alto nível de satisfação.
O segundo princípio sustenta que as pessoas insatisfeitas, quando atingem um nível de satisfação por elas muito valorizado, tendem a interpretar a sua conquista como irreversível e definitiva.
O terceiro princípio diz que as pessoas que esperam muito dos seus pares, têm maior chance de sofrer desencantos, quando comparada com aquelas que esperam pouco.
A utilização desses três princípios para interpretar o comportamento dos brasileiros nos últimos 10 meses ajuda a entender porque, em tão pouco tempo, as pesquisas de opinião pública viraram de ponta-cabeça.
1. Para um povo longamente castigado pela inflação, a chegada ao paraíso da moeda estável representou um ganho espetacular. A satisfação gerada foi enorme, quase inacreditável. Qualquer mexida nesse situação seria devastadora para a satisfação obtida.
2. A vida com um poder de compra estável (e até crescente), por ser altamente valorizada pelos mais pobres, longe de ser encarada como um experiência passageira, foi considerada como uma conquista definitiva. A grande maioria do povo estava certa que a inflação morrera. Ver os preços subirem novamente na conta de luz, água, passagem de ônibus e supermercado - foi uma grande decepção.
3. Para os que se encantaram com a competência de um governo que os levou a realizar um sonho tão sonhado, foi um grande desencanto ver o seu poder de compra despencar e verificar que o governo não controlava a economia como a maioria dos cidadãos brasileiro pensava.
A conjugação das três grande desilusões, associada à contenção dos salários e elevação do desemprego, fizeram desabar na cabeça do povo uma realidade jamais esperada. A decepção só poderia ser rápida e inevitável - como, de fato, foi - ao mesmo tempo em que a sua reversão é incerta e demorada.
E agora, o que fazer? A reconquista da confiança é essencial para garantir a governabilidade. Minar a governabilidade é conspirar contra o futuro da Nação.
O governo está numa encruzilhada. Precisa consertar a economia para readquirir confiança, ao mesmo tempo que precisa da confiança para consertar a economia.
Na democracia, essa reconquista se baseia na discussão transparente de situações objetivas e não na exploração emocional dos percalços de execução. Para quebrar o círculo vicioso acima apontado, as reformas estruturais são essenciais.
A maioria dos parlamentares costuma dizer que nunca deixaram de aprovar o que é importante.
Você, leitor, acredita nisso? Eu não. Por isso, estou escrevendo as minhas "cartinhas de amor" aos parlamentares em quem votei, e outros que conheço, para que aprovem de uma vez por todas as reformas tributária, previdenciaria e trabalhista.
Você não acha uma boa idéia fazer o mesmo? Democracia é isso. É uma delícia de regime... mas dá uma mão-de-obra...
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