Publicado em O Jornal da Tarde, 20/05/1998
O trabalhismo de Roberto Campos
Conversar com Roberto Campos é sempre um aprendizado. A sua instigante criatividade e invulgar capacidade de síntese encantam quem aprecia a combinação de inteligência e cultura.
Desta vez o nosso papo foi longo. Encontramo-nos numa viagem aérea, cujo atraso nos proporcionou uma preciosa oportunidade de rever, à luz das necessidades do presente, algumas de suas idéias lançadas no passado.
Dentro de seu amplo leque de interesses, a questão do trabalho ocupa um lugar central. Roberto Campos lê obstinadamente tudo o que aparece na sua frente no terreno do emprego, desemprego, salários, educação, carreiras, etc.
A minha mania é a mesma. Outro dia, visitando a 15ª Bienal do Livro em São Paulo, e saboreando cada um dos estandes daquela grande festa das idéias, um amigo flagrou-me lendo dois livros ao mesmo tempo. Achou que enlouqueci. A minha curiosidade de conhecer está sempre na frente da minha capacidade de ler.
Mas, voltando à conversa com Roberto Campos, lembrei-me de alguns projetos de lei inovadores que ele, como senador, apresentou no início dos anos 80.
Um deles pretendeu estabelecer a livre negociação salarial. Foi um lance arrojado. Era a época das políticas salariais do governo. Ninguém acreditava na desindexação salarial. O projeto foi engavetado.
Pois bem, tivemos de esperar 10 anos para, em 1994, verificarmos que a livre negociação gerou uma melhoria de poder de compra jamais alcançada com o sistema de indexação – e praticamente sem greves.
Em outro projeto, o então senador propunha a criação dos contratos por prazo determinado para facilitar o emprego. Foi considerado uma heresia. O destino foi o mesmo: a urna funerária do Senado Federal.
Tivemos de esperar 15 anos para o Congresso Nacional aprovar a Lei 9.601, criando tais contratos. Infelizmente, essa lei estabeleceu tantas exigências burocráticas que acabaram esterilizando a força empregadora e formalizadora do projeto original.
A participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa foi também proposta por Roberto Campos nos idos de 1983. Nela previa-se uma isenção completa de encargos sociais – o que foi aprovado pela Constituição Federal de 1988, mas que começou a ser praticado no Brasil só em 1995.
No seu cardápio de projetos, porém, há inovações que não foram devidamente consideradas até hoje. O projeto de lei no. 137/83 propunha a criação de um sistema de "lay-off" mediante o qual os empregados poderiam ficar afastados das empresas, com menos salário, mas sem perder o emprego. Nos dias atuais, essa medida seria da maior utilidade para se atenuar inúmeras despedidas que podem ser evitadas.
Finalmente, no projeto de lei no. 133/83, Roberto Campos propôs aumentar os recursos e, sobretudo, racionalizar a aplicação do Fundo de Assistência ao Desempregado - FAD. Ao longo do tempo o FAD se transformou em FAT que passou a contar com recursos bem mais gordos para manter o seguro-desemprego – hoje são cerca de US$ 3,6 bilhões anuais. Mas, pouco foi feito no campo da racionalização. Essa era a parte principal da proposta do então senador.
Que Roberto Campos é um visionário, ninguém duvida. Mas poucos conhecem a sua poderosíssima bola de cristal na área trabalhista. Não sei se a obra ainda está disponível, mas vale a pena ler as suas Lições do Passado e as Soluções do Futuro, Senado Federal, 1983. Trata-se de uma verdadeira usina de idéias para quem milita nessa área, sendo a maioria de grande utilidade para se equacionar os problemas do presente.
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