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Publicado em A Folha de São Paulo, 05/04/1987

As lições de Sarney sobre a moratória e o FMI

EM DISCURSO DE 1983, RESPONDENDO A ULYSSES GUIMARÃES, O ENTÃO SENADOR CRITICAVA A IDÉIA DE MORATÓRIA E DEFENDIA O FUNDO

Mexendo nos meus arquivos encontrei o seguinte discurso do então senador José Sarney: "Resposta a Ulysses Guimarães".

"É contraditória a proposta do PMDB de aceleração imediata do crescimento econômico com a proposta de declaração unilateral de moratória de nossa dívida externa. Esta medida determinaria um aprofundamento do processo recessório, com reflexos negativos sobre a renda e o desemprego.

Declarada a moratória, o país passaria fatalmente a enfrentar fortes restrições na obtenção de recursos financeiros externos para petróleo e outros insumos básicos, indispensáveis ao funcionamento de sua estrutura produtiva, além de obstáculos maiores para a exportação de produtos, em razão da posição retaliatória que tenderia a se generalizar no âmbito dos principais mercados, prejudicando o esquema de pagamento da dívida externa. Teríamos o racionamento, a anarquia e o caos.

No tocante à proposta de ruptura com o FMI, a nossa pergunta seria: qual o propósito dessa medida? Propiciar entendimentos diretos com os governos? Mas todos nós sabemos que o FMI é composto por representação de governos e os credores são representados na sua direção por delegados do Tesouro e dos Bancos Centrais.

A reação desses países, por certo, seria de que o Brasil desejaria simplesmente escapar dos sacrifícios necessários para saldar seus compromissos externos.

Permitir-nos-ia essa briga impor prazos de pagamento, unilateralmente? Na verdade, a declaração unilateral de moratória reduziria, imediatamente, o ingresso de recursos novos, quer para a importação, quer para a exportação. Reduzir-se-iam nossas condições em termos cambiais. Por quê? As importações, hoje financiadas, teriam que ser pagas à vista. Cessaria o financiamento das exportações, reduzindo-se a receita cambial. Paralisar-se-ia o ingresso de capitais de risco. Todos esses dados em nada aumentariam a nossa capacidade de importar nem de exportar.

Em síntese, o rompimento com o FMI não auxiliaria em nada na retomada do desenvolvimento. Para que fazê-lo, então? Seria para expandir livremente o déficit público? A expansão do déficit público só promoveria a retomada econômica se houvesse reservas cambiais para importações das matérias-primas e petróleo, requeridas para sustentar um nível mais alto de atividade econômica. Como essas reservas não existem, aquela expansão agravaria a inflação, sem aumentar o produto.

Ao contrário, talvez diminuísse a taxa de crescimento, pois ao emitir títulos de dívida para financiamento do déficit, elevar-se-ia a taxa de juros e diminuiríamos ainda mais os investimentos privados.

Finalmente, para que romper?

Achando ser o FMI quem não quer aumentar os salários, livremente? Mas, no seu próprio discurso, o presidente do PMDB propõe a elevação do salário médio real, em função do aumento da produtividade da economia nacional. Assim, o que estamos realizando não é exigência do Fundo, é necessidade de ajustar a economia interna.

O FMI é uma entidade da qual fomos fundadores e somos participantes. Suas exigências nada mais são do que aqueles de qualquer credor, que deseja saber como o devedor irá saldar as suas dívidas.

Por outro lado, o FMI nos oferece crédito a prazos mais longos, juros fixos e mais baixos.

A nossa ruptura com o FMI e a moratória signficariam, ainda, perdermos as linhas de crédito como o Banco Mundial, com o BID, ou seja, aqueles organismos que têm recursos em condições altamente favoráveis, e cujos objetivos se destinam a financiar investimentos na área social.

Quanto à declaração unilateral de moratória, ela deixa de ser um tema, um propósito econômico, para ser uma proposta política. Nenhum país faria uma campanha interna em favor da moratória. Ela, se chegasse, chegaria pelos caminhos indesejáveis da insolvência, que todos deveriam conjurar.

A declaração unilateral da moratória seria a desmoralização internacional de nossa pátria. Defendê-la com o objetivo de atingir o governo e os homens que atualmente, dirigem o país, é política pouco construtiva, pois o que atingirá, de forma definitiva, é o Brasil e a sua honra." (Trechos de texto de José Sarney publicado pelo PDS, Brasília, 1983, sob o título: "A vez da Hora Política: Resposta a Ulysses Guimarães").

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