Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo. 25/01/1993

A relação entre crescimento e democracia

John F. Helliwell, economista de Harvard, estudando a conexão entre crescimento econômico e regime político, se propôs a responder uma das mais complexas questões do campo das ciências sociais: é melhor que as reformas econômicas sejam feitas antes da democratização – como na China – ou que a democracia se instale antes das reformas – como nas ex-repúblicas soviéticas?

Para esclarecer essa intricada relação, o autor utilizou dados de 125 países que apresentaram diferentes níveis de crescimento e democratização entre 1960/85 (Helliwell, J.F., Empirical Linkages between Democracy and Economic Growth, 1992). Ele mediu o nível de crescimento pelo PIB per capita (ajustado pelo seu respectivo poder de compra) e o nível de democratização pelo índice de Gastil que se baseia na quantidade de direitos civis e políticos dos países considerados.

Os dados mostram que uma elevação de 10% no crescimento econômico corresponde a um acréscimo de 2% na democracia. Usando uma artilharia metodológica rigorosa, o autor apresenta evidências segundo as quais é mais freqüente a seqüência do crescimento para a democracia do que da democracia para o crescimento. Ele chama a atenção para o fato de serem muito comuns certos períodos de aceleração seguidos de desaceleração do crescimento, toda vez que o país em questão, partindo de um nível de renda baixo e desigual, entra precipitadamente na democracia.

São constatações que nos põem a pensar. O próprio autor recomentda uma certa cautela. Afinal, a literatura sobre esse assunto tem mostrado três tendências antagônicas. A primeira, defendendo que o crescimento acelerado requer a implementação de reformas econômicas duras, o que só pode ser feito em um regime autoritário. A segunda, contrariamente, argumentando que a democracia é capaz de promover o crescimento, com a ventagem de estimular a redistribuição da renda e a expansão da economia. A terceira, sustentando não haver nenhuma relação entre crescimento e democracia.

Examinando-se com cuidado os 125 países estudados por Helliwell, verifica-se haver exemplos para as três posições acima indicadas. Mas os dados lhe dão razão para apontar à seqüência do crescimento para a democracia como a mais freqüente.

O que dizer do caso brasileiro? O Brasil dos anos 60 partiu de um nível de renda baixo e desigual. Acelerou velozmente o crescimento ao longo dos anos 70. Entrou na democracia na década de 80. E mergulhou na atual recessão logo em seguida. Nosso país ilustra as duas conclusões do autor ao afirmar que reformas econômicas levam ao crescimento e democratização precipitada desacelera o crescimento.

Mas seria o regime democrático o responsável por essa desaceleração? Seria a democracia um luxo reservado apenas às nações que chegaram a um alto nível de renda e baixa desigualdade antes de começar a jogar o jogo democrático?

A relação entre democracia e crescimento não pode ser reduzida a simplificações. A história tem evidenciado uma extrema complexidade nesse campo. Crescem as evidências, sem dúvida, de que em um regime democrático reformas econômicas ortodoxas que cortam subsídios, reduzem incentivos, liberam preços, estimulam a exportação e abrem a economia para todos os lados, ainda que necessárias, geram custos sociais tão altos que acabam pondo em risco a continuidade da democracia ou do próprio crescimento.

Para tais reformas vingarem e amadurecerem, a tolerância a esses custos sociais depende fundamentalmente da complacência da sociedade e, em especial, dos trabalhadores organizados. Quando se aceitam os sacrifícios impostos por esse modelo reformista, as reformas prosseguem. Mas, quando a paciência acaba, o descontentamento se generaliza – pois a democracia garante a mais ampla expressão -, tornando os custos sociais intoleráveis e exigindo o abandono da ortodoxia econômica.

Esse parece ser o caso do Brasil neste momento. A nossa incipiente democracia combinou-se com a liberdade de expressão de toda a sociedade, inclusive de trabalhadores altamente organizados nos setores estratégicos. A ortodoxia do modelo reformista – tolerada no inicio – deixou de contar com a complacência social e com a tolerância dos políticos no momento em que seus custos se exacerberam. Nesse ínterim, o governo central trocou de comando e a nova onda passou a ser a de humanizar as reformas, afrouxando o cinto e reformulando o conceito de modernização.

Usando a lógica de Helliwell, o Brasil terá pouca chance de retomar o crescimento se não promover as reformas econômicas então planejadas. Resta saber se ele conseguirá preservar a democracia. Isso, só a história dirá.