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Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/11/1997

Ásia: milagre ou miragem?

Nos últimos 30 anos, as 23 economias do leste da Ásia cresceram muito mais depressa do que o resto do planeta. As locomotivas foram o Japão, os quatro Tigres (Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul) e as três nações de industrialização mais recente (Tailândia, Malásia e Indonésia). Muito se escreveu sobre o espantoso milagre desses oito países (World Bank, The East Asian Miracle, 1993).

A geração de empregos foi imensa a ponto do Japão apresentar apenas 3% de desempregados e os Tigres Asiáticos, menos de 2%. O crescimento asiático foi acompanhado de uma saudável distribuição de renda. A Tailândia praticamente acabou com a pobreza absoluta. Na Indonésia, a proporção de pobres caiu de 64% para 11%. Na Malásia, a queda foi de 37% para 5%. A vida média subiu de 56 para 73 anos. (Joseph Stiglitz, How to Fix the Asian Economies, 1997).

é incrível ver nações tão prósperas, em poucos meses, capitularem diante de ataques às suas moedas, conduzindo investidores e poupadores ao desespero e levando os governos ao FMI. Afinal, que tipo de milagre foi aquele?

Alguns autores já vinham apontando o erro de vários países da região ao se atirarem arriscadamente em empreendimentos de valor duvidoso, contraindo dívidas gigantescas para construir escritórios luxuosos, hotéis sofisticados e milhões de residências, como se o belo ciclo de desenvolvimento por que passavam seria eterno e a demanda infinitamente crescente (Paul Krugman, Pop Internationalism, 1996).

Hoje, os diagnósticos são praticamente unânimes ao apontarem para o descuido dos bancos na concessão de créditos de alto risco, especialmente ao setor imobiliário, que gerou um excedente de edifícios de luxo, todos vazios, pois o crescimento em 1995-97 se desacelerou e os empréstimos tornaram-se impagáveis. A inadimplência junto aos bancos atingiu níveis absurdos. Só no Japão, fala-se em US$ 500 bilhões.

O colossal imbróglio financeiro em que se meteram os países da Ásia acabou abalando o lado real da economia, levando muitos deles, repentinamente, a ter de recolher as cinzas de um grande desastre, e iniciar uma dura reconstrução de suas economias. O que esperar dessa reconstrução?

A debacle dos mercados financeiros deve ter ensinado à toda região a enorme importância de se cultivar, com igual atenção, três tipos de capitais: o físico, o humano e o financeiro.

Os consertos no terreno do capital financeiro, apesar de dolorosos, já entraram em execução e, daqui para frente, a reconstrução contará com a saúde dos outros dois tipos de capitais. Convém observar bem esse aspecto.

A região tem a seu favor 40 anos de pesados investimentos em educação de boa qualidade e a disponibilidade de um bom acervo de avançadas tecnologias, máquinas, equipamentos e métodos de trabalho. No leste asiático, a educação e a capacitação profissional se combinaram com políticas industriais inteligentes e programas de exportação agressivos. Essa experiência não foi perdida. Quem tem um povo bem preparado para trabalhar possui uma grande vantagem comparativa para enfrentar as crises e a recuperação.

Por isso, a capacidade de reação daqueles países não deve ser subestimada. Sua agressividade no mercado internacional deverá até aumentar. Os asiáticos estão acostumados a enfrentar sacrifícios desconhecidos pelos ocidentais. No Japão, por exemplo, quando uma empresa vai mal, a primeira coisa que se corta são os dividendos dos acionistas; a segunda, são os salários dos diretores; em terceiro lugar, vêm os bônus dos empregados. Estender jornadas, trabalhar aos domingos, comparecer nos feriados e eliminar as férias são condutas que a filosofia de Confúcio tornou normal para aqueles povos, especialmente na hora da dificuldade maior.

Com suas moedas desvalorizadas e com o sacrifício revigorado, aqueles países vão competir de modo ainda mais violento nos mercados mundiais, enfrentando até o prejuízo se isso se mostrar essencial para a reconstrução das nações. A região tem uma longa história de superar desastres de grandes proporções ora causados pela natureza (enchentes e terremotos), ora por convulsões sociais e por guerras nucleares (!) que provocaram um arraso total.

Os problemas que abalaram as economias asiáticas em 1997 terão de ser enfrentadas por outros países que, afinal, foram igualmente atingidos pela turbulência dos mercados de capitais. Eles também terão de se reorganizar, trabalhar mais duro e enfrentar dificuldades.

Tudo indica que o próximo milênio abrirá suas cortinas com um grande espetáculo onde as nações serão chamadas a demonstrar sua capacidade de trabalhar eficientemente e se sacrificar para, algum dia, chegarem ao tão sonhado desenvolvimento sustentado. E nesse ponto, temos de reconhecer, que o valioso estoque de capitais físico e humano acumulado na Ásia e o seu estilo de trabalhar dão à região uma forte vantagem de reerguimento. Convém prestar atenção a esses fatos. A Ásia não morreu. Os tigres feridos são sempre mais agressivos do que os tigres sadios. E é com eles que o Brasil terá de lutar.