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Publicado em O Jornal da Tarde,23/10/1996

A descrença na democracia

Os jornais de maio de 1996 publicaram pesquisas mostrando que somente 50% dos brasileiros valorizavam a democracia. Cerca de 25% disseram preferir a autocracia. Para os demais, tanto fazia este ou aquele regime.

Os analistas políticos se decepcionaram com a baixa adesão do povo brasileiro ao regime democrático. Eu também. é triste ver as pessoas desvalorizando o que há de mais precioso para o ser humano: a liberdade.

Mas, esse desapego não é surpresa. O brasileiro é um povo pragmático e imediatista. Ele quer seus problemas resolvidos, o mais depressa possível e sob qualquer regime.

E uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro no dia 30 de março de 1964, véspera do golpe militar, a grande maioria dos entrevistados indicou a inflação e a recessão como os problemas mais aflitivos. Menos de 5% mencionaram o risco que a democracia corria naquele momento. O povo queria um governo que "fizesse as coisas andarem" - e só.

Era de se esperar uma grande mudança nessa atitude depois de 30 anos. Mas, lembremos que os valores sociais têm raízes profundas. O brasileiro valoriza mais as pessoas do que as instituições. Basta verificar que, nos últimos 60 anos, escrevemos cinco constituições que foram reformadas várias vezes, através de golpes de cima para baixo.

Durante muito tempo, o brasileiro considerou o Estado como responsável pelo desenvolvimento econômico. Em face de qualquer problema, a reação imediata era: troca-se o governante e, se preciso for, troca-se o regime.

A experiência democrática dos pesquisados nos levantamentos de opinião pública é de menos de dez anos. Pouco surpreende tamanha descrença.

Há pouco tempo, esteve entre nós, o professor Robert Barro da Universidade de Harvard. Ele escreveu um livro que começa com a mesma descrença e termina com uma profunda fé no regime democrático (Robert J. Barro, Getting it Right, 1996). Vale a pena acompanhar o seu raciocínio.

Barro argumenta que a implantação da democracia em países pobres instiga a formação de grupos de interesses corporativos que acabam redigindo as leis em seu favor. Ademais, o avanço da democracia faz aumentar a demanda por programas sociais e redistribuição de renda o que inibe os investimentos e compromete o desenvolvimento econômico.

Os regimes autocráticos evitam isso e conseguem acelerar o desenvolvimento num primeiro estágio para, mais adiante transformarem-se em regimes democráticos - diz Barro. Um país não-democrático com um bom nível de vida tem grande chance de se tornar democrático. Mas, um país democrático com baixo nível de vida, tem grande chance de perder a democracia e se tornar autocrático.

Os efeitos da autocracia, prossegue o Autor, podem ser adversos se os ditadores decidirem usar o poder em seu favor. Ou seja, a autocracia dá certo quando o ditador é bom. Mas, como a teoria atual é incapaz de prever se o ditador vai ser bom ou ruim, conclui Barro, é melhor ficar com a democracia.

Não há dúvida: desenvolver e democratizar é um desafio enorme para o Brasil. As pesquisas aludidas mostram que o povo continua mais preocupado com o desenvolvimento do que com a democracia.

Enquanto existirem tantos excluídos, é provável que a democracia continue sendo deferida em favor do desenvolvimento. A atitude inversa só surgirá quando a riqueza e a propriedade estiverem melhor distribuídas. Nesse momento, as pessoas perceberão que a preservação de seus bens dependerá da democracia. Elas terão o que perder. Aí sim, os brasileiros valorizarão o regime democrático.