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Publicado em O Jornal da Tarde,13/09/1995

A nova China

Em 1995, a China entrou na ordem do dia. A reunião das mulheres, promovida pela ONU, projetou o país no noticiário mundial.

Quando, em 1966, explodiu a Revolução Cultural, eu era estudante na Universidade de Wisconsin (EUA), onde passava dez horas por dia dentro da biblioteca central. Estando ali isolado mas aprendendo tanto com os livros, não conseguia entender a lógica da Guarda Vermelha de Mao ao queimar bibliotecas, destruir universidades e mandar os professores para o campo, para realizar trabalhos físicos. Mais de 17 milhões de adolescentes foram submetidos a esse mundo onde se negava educação e preparação profissional.

Pois bem. No último mês de Julho, quase 30 anos depois, na mesma biblioteca da Universidade de Wisconsin, conheci, numa roda de chineses, Shen Yuanyuan, uma estudante de 38 anos, ora fazendo um pós-doutorado. Na época, com 9 anos, ela acompanhou seu pai, professor universitário, nos campos de arroz do norte da China. Ali passou 10 anos, trabalhando duro, engolindo a seco o seu inconformismo, mas estudando e se preparando, como auto-didata, para um outro mundo.

Como Shen, cerca de 500 mil chineses escaparam daquela catastrófica destruição de talentos e, por esforço próprio ou ajuda dos pais, acabaram se educando nas melhores universidades do ocidente. A esmagadora maioria está de volta na China e já ocupa cargos-chave nas burocracias do país onde são responsáveis pelo desenho das novas leis; do sistema tributário; da rede de crédito; dos planos energéticos; da infra-estrutura de transporte; da formação profissional; da pesquisa e desenvolvimento; etc. Eles formam uma nova elite que se prepara para ocupar posições ainda mais decisórias na maquinaria governamental da China.

é um grupo que promete muito. Além de sua elevadíssima preparação profissional, eles construíram, no exterior, uma extensa rede de relações com colegas que hoje estão em postos estratégicos. Suas mentes são permeadas por idéias ocidentais; cultivam o debate; toleram a crítica; acreditam na criatividade; valorizam a iniciativa privada; e têm um elevado senso de pragmatismo.

De um deles ouvi a sugestão segundo a qual a China deveria entregar as empresas estatais aos seus funcionários - mas uma de cada vez, para que os exemplos pudessem ser destilados e apreendidos ao longo do tempo. Algumas iriam à falência de imediato; a maioria entraria num verdadeiro purgatório de sofrimento; e um pequeno número passaria a crescer.

Nos últimos 15 anos, o país tem procurado melhorar seus governos. Faltavam quadros bem formados. Essa nova elite constitui uma oportunidade efetiva de se profissionalizar as burocracias. Nos últimos cinco anos, o volume global de importações e exportações chinesas cresceu de US$ 34 bilhões para US$ 240 bilhões! A produção de cereais, saltou de 300 milhões de toneladas para quase 500 milhões. Em vinte anos, a renda per capita decuplicou.

Se a China cresceu tanto com governantes amadores, o que dizer daqui para frente com a entrada dessa legião de profissionais bem preparados e da generalização da boa educação para toda população? é o "milagre" da escola. A mesma escola que a ignorância de Mao levou a destruí-la.

Não resta a menor dúvida que a China está destinada a ter o maior PIB do mundo dentro de poucos anos. O grande desafio será o de abrir seu sistema político para implantar um regime verdadeiramente democrático. Mas, com um povo bem educado as chances são boas. Essa é a China que as mulheres devem ter visto durante a reunião da ONU. Oxalá os bons exemplos cheguem até aqui, neste país onde, sem Mao, 25% do seu povo continua nas negras trevas do analfabetismo.