Publicado em O Jornal da Tarde,24/05/1995
Quem paga a conta?
No início de maio de 1995, participei do VII Fórum Nacional coordenado pela maestria do ex-Ministro João Paulo dos Reis Velloso. Como nos anos anteriores, foi uma enxurrada de idéias. Algumas exdrúxulas - o que e próprio quando se instiga a criatividade e a vaidade dos intelectuais. Outras, entretanto, bastante sensatas e de grande utlidade para orientar os destinos desta grande e pobre nação.
Fiquei particularmente impressionado com a exposição do então Ministro Nelson Jobim da Justiça. Comentando o andamento da reforma constitucional, ele lembrou que o mundo vêm assistindo uma desafiante evolução no terreno das demandas de direitos. No século XVIII, disse Jobim, a grande luta foi pela conquista dos direitos civis. No século XIX, a batalha se concentrou nos direitos políticos. Hoje, o embate é pelos direitos sociais e econômicos.
Os direitos civis e políticos, argumentou o Ministro, são bem diferentes dos direitos sociais e econômicos. Estes constituem "benefícios" e, como tal, têm uma nítida contrapartida de custos. Aqueles, dizem respeito à repartição da liberdade o que pouco tem a ver com as despesas do Estado ou da empresa.
O homem moderno parece não ter se dado conta dessa enorme diferença pleiteando, hoje em dia, proteções econômicas da mesma maneira como pleiteou liberdade de expressão e de voto no passado. Ademais, todos se julgam no direito de possuir esses novos direitos. é isso que ocorre quando se demanda do Estado uma boa assistência à saúde, à educação, à segurança, à habitação, ao transporte, etc.
Meditei bastante sobre essa tipologia, transportando-a para o campo trabalhista. A Constituição Federal de 1988 decidiu chamar de "direitos sociais" tudo o que se refere às garantias do mundo do trabalho. Ao usar, por analogia, a concepção da obrigatoriedade do Estado em garantir liberdades civis e políticas, o legislador parece não ter se dado conta de que estava criando direitos que têm altos custos. Se os custos não forem "bancados" por alguém, os cidadãos ficam com os direitos mas sem os benefícios. De fato, os brasileiros estão como alguém a quem se garante o direito de entrar num belo restaurante sem a garantia de quem vai pagar pela comida. A frustração é inevitável. A grita é geral.
Além da parte trabalhista, esse é o caso também da previdência social. A Constituição garantiu uma série de aposentadorias especiais apetitosas, mas deixou de garantir os recursos para sustentá-las. A sociedade está sendo chamada, agora, a encarar esses fatos de frente e descobrir quem vai pagar a conta dos sedutores privilégios.
O processo da reforma constitucional é particularente difícil por exigir que rememos contra a maré. Nós, que vinhamos num crescendo em matéria de direitos, topamos pela frente com o doloroso problema de financiá-los. Começamos pelos direitos civis, sem custos. Passamos pelos direitos políticos, também sem custos. Entramos nos direitos sociais, que implicam em enormes despesas e depois nos direitos econômicos que têm custos altíssimos.
Está certo o Professor Samuel Huntington de Harvard: é sempre mais fácil garantir eleições do que garantir o desenvolvimento de um país. Essa é a sinuca em que nos metemos. Precisará muita saliva e muito senso de realidade para se reverter a deliciosa trajetória de direitos sem custos e levar os brasileiros a se solidarizarem no pagamento da conta desses mesmos direitos.
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