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Publicado em O Jornal da Tarde, 06/07/1994

A Paz por R$ 8,00... é barato

O ano 2000 está logo ali. Na virada da esquina. Naquele ano, a população do mundo será de 6,5 bilhões de habitantes sendo que 5 bilhões estarão vivendo no Terceiro Mundo. Os países mais pobres responderão por 90% do crescimento da população mundial nos próximos cinco anos.

Ao se considerar que as novas tecnologias vêem conseguindo aumentar a produção em geral com uma sensível redução do emprego, o quadro social deste final de século aponta para um agravamento das condições de vida dos povos das nações mais pobres e uma séria ameaça para as nações mais ricas.

Sim, porque a tendência natural dos povos mais pobres - em face de tanta disparidade - será a de migrar em direção aos países mais ricos. Por mais eficientes que sejam as restrições legais, elas não conseguirão - como até aqui não conseguiram - segurar a pressão migratória. Nos últimos 20 anos, cerca de 3% da população dos países do sul da Europa (mais pobres) migraram para os países do norte (mais ricos). No mesmo período, 4% dos mexicanos conseguiram penetrar nos Estados Unidos.

Uma reunião do G-7 foi marcada em Nápoles para Julho de 1994. Dela participaram os sete países mais ricos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália, Inglaterra e Canadá - com um lugar de carona reservado para a Rússia.

Àquela altura já estava claro que os países do Primeiro Mundo tinham de estimular o fluxo de capitais para fora sob pena de provocar uma incontrolável migração para dentro. Em outras palavras: ou saiam os capitais ou entravam os migrantes.

Isso persiste até hoje. é uma escolha difícil. Em qualquer dos casos os governantes correm o risco de comprometer ainda mais o fraco desempenho doméstico de seus países no campo da geração de empregos arriscando-se, assim, a perder as próximas eleições. Os eleitores de qualquer parte do mundo não costumam perdoar os políticos que dão as costas para seu povo para ajudar os estranhos.

é interessante notar que, nos últimos anos, a política dos países do Primeiro Mundo junto aos países do Terceiro Mundo têm enfatizado muito mais a democracia do que o desenvolvimento. Longe de mim dizer que a democracia é a antítese do desenvolvimento. Mas não sou nenhum ingênuo a ponto de achar que, simplesmente democratizando, o país se desenvolve. O relacionamento entre esses dois fatores é extremamente complexo.

Os países mais ricos sentiram ser muito mais cômodo promover a democracia do que o desenvolvimento em nossas regiões. A construção da democracia, para eles, envolve custos econômicos e políticos bem menores do que a promoção do desenvolvimento.

Isso é verdade no curto prazo. Mas, no longo prazo o quadro é outro. A manutenção da atual estagnação econômica no Terceiro Mundo e o antecipado inchaço de sua população constituem, certamente, a mais dramática ameaça aos países mais ricos.

O ex-Presidente François Mitterand avaliou bem o perigo dessa tocaia histórica e compareceu à reunião do G-7 para propor que os países ricos destinassem cerca de 0,7% de seu PIB, anualmente, para ajudar o desenvolvimento dos países mais pobres - o que daria cerca de US$ 130 bilhões por ano.

Foi um gesto inteligente mas ainda tímido para fazer face às monumentais necessidades de desenvolvimento do Terceiro Mundo. E mais anêmico ainda quando se leva em conta o interesse que seria atendido da parte do Primeiro Mundo. Afinal, a manutenção de sua paz deve valer bem mais do que US$ 130 bilhões anuais - o que daria cerca de US$ 8.00 por mês para cada habitante, ou seja, apenas R$ 8,00. Sim, oito reais! De qualquer modo, o francês deu o primeiro lance. Foi aberta uma negociação que, infelizmente, jamais se concretizou.