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Publicado em O Jornal da Tarde,23/11/1993

A repetição do populismo nas eleições de 1994

O professor Samuel P. Huntington, num de seus mais recentes ensaios ("O Custo da Liberdade", Harvard International Review, 1993) defende a tese de que, nos dias atuais, está sendo muito mais fácil democratizar a política do que liberalizar a economia.

A passagem de um governo autoritário para democrático, diz ele, pode se dar rapidamente e até mesmo sem dor. Mas a virada de uma economia altamente controlada pelo estado para uma economia de mercado exige muito tempo e é sempre penosa. Isso porque a democratização impõe custos para alguns, mas gera inúmeros benefícios de curto prazo para muitos enquanto que a liberalização da economia, impõe custos para muitos, no curto prazo, e só gera benefícios no longo prazo.

O benefício mais imediato da democratização é a liberação das idéias, da expressão e dos movimentos. Isso traz um sentimento de justiça e esperança. Uma sensação de bem estar. A liberalização da economia, inversamente, gera apreensão e medo, no curto prazo, decorrentes das incertezas do mercado, da liquidação das empresas não competitivas e do conseqüente desemprego. A redução dos preços que premia as grandes massas e constitui um dos maiores benefícios da liberalização. Entretanto, ela só vem no final do processo.

Por isso, aquele autor sustenta ser muito mais fácil organizar eleições do que organizar mercados. Mais do que isso, ele assevera que as sociedades cuja democracia não esteja inteiramente consolidada, como é o caso do Brasil, têm sérios problemas para liberalizar a sua economia pois a oposição política à liberalização (de empresários e trabalhadores) tende a ser eficiente e exitosa no bloqueio do processo.

A liberalização da economia requer um governo forte, entendendo-se por forte aquele que desfruta de ampla legitimidade, boa base política e alta capacidade técnico-administrativa.

Esses três ingredientes - legitimidade, base política e capacidade - são absolutamente essenciais para se resistir às pressões e manobras tanto de grupos ameaçados pela liberalização como daqueles que buscam tirar partido das disfunções iniciais do processo, em especial, o desemprego formando um caldo de cultura propício para as políticas protecionistas e populistas.

Mesmo com esses três ingredientes, ainda assim, os governos têm mais chances de promover a liberalização no início de seus mandatos e não no fim. A corrosão da legitimidade que geralmente ocorre ao longo do tempo, acaba afetando a base política do governo e a sua capacidade de recrutar bons talentos.

No caso brasileiro, já estamos às portas da próxima eleição. O governo Collor que era legítimo e se dizia competente não conseguiu formar um mínimo de base política e ruiu deixando inacabado e deformado o projeto de liberalização. O governo Itamar é substituto e carece de apoio político e dos talentos necessários para realizar tal tarefa. Tudo indica que ele consiga organizar as próximas eleições. Mas, dificilmente conseguirá organizar a economia. Se a mantiver no estado atual, será um grande feito.

Nesse cenário, só se pode esperar a volta das propostas protecionistas e populistas na próxima campanha eleitoral - aquelas que alardeiam as benesses redistributivas de uma boa democracia sem propor soluções para a economia.

Os países com governos relativamente fortes, como por exemplo o México e o Chile, têm conseguido implementar políticas de liberalização de forma mais continuada. Mas, os países com governos mais fracos, como por exemplo o Brasil e Peru, têm sido sujeitos a repetidas recaídas de populismo na hora da eleição - o que acaba afastando suas economias da liberalização. No segundo turno das eleições de 1989, Collor e Lula foram as expressões mais eloqüentes da cartilha populista.

Os problemas da nossa liberalização mal-acabada (para não dizer mal-iniciada) e os recentes acidentes de percurso da democracia brasileira parecem nos fazer retornar à situação de 1989. Por isso, haverá muito pouco espaço para a defesa de políticas liberalizantes no campo econômico na disputa presidencial de 1994. Em suma, estaremos de volta no "square one". Tudo indica que os problemas da liberalização e da área política criarão, novamente, um clima social favorável aos candidatos de história e tradição populistas. O vitorioso poderá até mudar de conduta depois de eleito. Mas, para se eleger, os materiais mais valiosos serão os slogans do arsenal populista.

Huntington tem razão. é mais fácil manter rolando uma democracia claudicante do que organizar uma economia liberal.