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Publicado em O Jornal da Tarde, 25/02/1998

Casamento contratado

O relacionamento humano parece ficar cada vez mais conflitivo. Pequenos desentendimentos viram motivos para procurar um advogado e começar um processo na justiça. Quando se observa o gigantesco volume de ações nas áreas do trabalho, do meio ambiente e do consumo, isso preocupa.

No fim de 1997, um juiz de Sorocaba, São Paulo, condenou um policial militar a pagar à sua ex-namorada uma indenização no valor de R$ 10 mil por ter rompido com ela depois de um namoro de mais de quatro anos.

Na sentença, o juiz considerou que a mulher teve prejuízos materiais de monta, em decorrência do rompimento intempestivo. Ela havia comprado um enxoval completo, incluindo roupas de cama, mesa e banho além de langeries de intimidade que seriam usadas na lua de mel. Ademais, gastara um bom dinheiro na reforma da casa do ex-namorado, onde iriam morar.

O interessante é que tanto o policial como a ex-namorada recorreram da decisão judicial. O policial quer anular a sentença, e a ex-namorada, aumentar a indenização.

Não é a toa que o casamento está em baixa. No início dos anos 90, 34% das pessoas acima de 15 anos eram casadas no civil e religioso enquanto 12% haviam optado pelas chamadas uniões consensuais. Em 1997, a proporção dos casados caiu para 31% e a dos unidos subiu para 14%. é um aumento enorme para um período tão curto.

é claro que o potencial de conflito é apenas um dos fatores da diminuição do casamento nos dias atuais. Mas, ele não pode ser desprezado. Por isso, Gary Becker, Premio Nobel de Economia, propõe que todos os parceiros que se casam, deveriam assinar um contrato para evitar os sofrimentos de um eventual rompimento (Why Every Married Couple Should Sign a Contract, 1997).

O contrato de casamento, na visão de Becker, deveria estipular quando o parceiro pode pedir divórcio, as regras que governarão a custódia dos filhos, a divisão da propriedade, da poupança acumulada e da receita atual e futura dos cônjuges.

O argumento contra esse tipo de contrato é que o romantismo vai para o espaço. Nele, o amor fica em segundo plano, fazendo os parceiros encarar o casamento muito mais como um negócio do que como uma decisão de vida em comum.

O contra-argumento é que cerca de 50% dos divórcios ocorrem no meio de muito rancor e profundo sofrimento, que poderiam ser evitados através de um bom contrato. Com base nele, a grande maioria das separações poderia ocorrer de modo harmonioso.

Nos Estados Unidos já se debate a possibilidade de se aprovar leis que obriguem as pessoas a fazer tais contratos. O estado da Lousiania saiu na frente. Em 1997, a Assembléia Legislativa referendou um estatuto legal que permite aos casais optarem entre o casamento tradicional e o casamento contratado no qual se especificam algumas das condições sugeridas por Becker. A lei está em vigor há pouco tempo. Não há avaliação de sua eficácia.

O Brasil parece estar longe dessa realidade - o não se pode dizer das atuais necessidades. Entre nós, a grande maioria das separações é regida pelo simples abandono do parceiro ou da parceira, na qual as proteções mínimas deixam de ser garantidas. Uma outra parte dos rompimentos segue o caminho do conflito, cercado de sofrimento para quem separa e é atingido pela separação.

Você acha que essa moda de casamento contratado pode pegar no Brasil? Será que a nossa cultura acalorada dá tempo para as pessoas pensarem dessa forma?

Francamente, acho que não. Por mais racional que seja a tese do professor Becker, ela me parece impotente para superar a impetuosidade do nosso modo de ser. A marca da previdência ainda não emplacou na cultura brasileira. Mas, nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Se essa moda de processar o namorado desertor pegar... os advogados terão muito serviço pela frente. Isso é demais.