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Publicado em O Estado de S. Paulo, 16/02/2010.

Os chineses estão chegando... nas artes

O título acima carrega uma grande imprecisão, pois os chineses têm uma tradição artística que vem de três mil anos, tendo sido a fonte de inspiração para todo o mundo na pintura, porcelana, cerâmica, laca, jade, bronze, marfim, música, teatro e ópera.

Mas é recente a incursão da China nas artes ocidentais como é o caso da música clássica. A penetração tem sido meteórica. Na Orquestra Filarmônica de New York, 20% dos músicos titulares são de origem asiática, vários da China. Na orquestra jovem de New York, 35% têm a mesma origem, boa parte de chineses. Na orquestra de adolescentes da Julliard School of Music (uma das melhores do mundo), esse percentual sobe para 43%.

Trata-se de um feito impressionante para uma região do mundo que passou milhares de anos circunscrita a instrumentos de corda muito simples, flautas de bambu, pratos, gongos e tímpanos. Hoje, a China produz e consome a musica ocidental de modo alucinado. Conseguir um ingresso para assistir as grandes orquestras do mundo que se apresentam em Beijing e Shanghai é um feito dificílimo.

É isso mesmo. A China está dando uma grande virada também nas artes. John e Doris Naisbitt (China Megatrends, New York: Harper Business, 2010) contam que mais de vinte milhões de jovens chineses estão estudando piano e dez milhões estudam violino! São números colossais e que mostram a enorme vontade dos chineses desfrutarem as belezas da música ocidental. O grande pianista Lang Lang costuma dizer que a crise na educação musical está nos Estados Unidos, mas não na China.

O mundo da música está se tornando um fabuloso campo de trabalho para professores, administradores, compositores, críticos e produtores de instrumentos. As novas gerações da China estarão repletas de músicos para atender a demanda interna e externa, e até para deslocar os ocidentais nas suas pretensões de carreira. Sim, porque, no caso de escolas e orquestras com vagas limitadas, a entrada de um chinês, significa a exclusão de um americano, alemão ou francês.

O principal foco dos analistas da China é o espetacular crescimento econômico daquele país. Mas, o avanço no mundo das artes merece ser avaliado, inclusive, no contexto da própria economia. Isso faz parte da grande guinada histórica que está em andamento. Há mais de 40 anos, Deng Xiaoping, o pragmático sucesso de Mao Tse-tung, sentenciou: "Temos de construir duas civilizações: a civilização material e a civilização espiritual".

Isso vem se materializando. Longe de ter um foco único na produção industrial e nas exportações, a China entende que o cultivo da música, das artes plásticas e da dramaturgia, inclusive óperas, é fundamental para completar a formação dos jovens, dar boas oportunidades de trabalho e tornar a sociedade mais bela.

Por decisão do governo, todo prédio público tem de ser decorado com uma ou mais peças de artistas chineses. A pintura saiu na frente, quando Yuan Yunsheng pintou um gigantesco mural para o aeroporto de Beijing. Na últimas Olimpíadas, houve shows magistrais de música, dança, figurino, painéis, fazendo as artes ornamentarem o atletismo. O sucesso daquele certame teve um impacto no mundo inteiro. Para muitos ocidentais, foi uma grande surpresa ver os jovens chineses cantando e dançando os ritmos internacionais cercados por uma riquíssima coreografia.

Os chineses querem para si não apenas um país grande e forte, mas também bonito e alegre. E visível. A arte chinesa está se internacionalizando. Em 2008 quinze artistas plásticos chineses venderam suas peças por mais de US$ 1 milhão (cada uma!) em galerias do país e do exterior.

Para o governo de hoje, ao contrário das ordens impositivas de Mao Tse-Tung, a arte deve expressar os sentimentos individuais do artista. A se confirmar essa tendência, trata-se de uma importante mudança dentro do colossal processo de transformação social do gigante asiático.

O propósito desse movimento é fazer o avanço espiritual convergir para o avanço material, integrando elementos culturais aos produtos industriais. A pintura e a escultura, por exemplo, constituem as usinas de idéias para o desenho industrial. A convivência é harmoniosa, produtiva e de largo espectro. Existem na China, mais de 500 faculdades de design. O "made in China" está se espalhando como base na convergência entre a revolução no consumo e as liberdades que vêm sendo concedidas aos artistas. Produtos modernos têm surgido com formas arrojadas, chamando a atenção dos compradores de automóveis, motocicletas, equipamentos de informática, mobiliário, luminárias, material de escritório, utensílios domésticos, calçados, tecidos, confecções, porcelana, cerâmica e outros bens, mostrando que os produtos que conquistam os consumidores não são feitos apenas de madeira, plástico, chapas e parafusos.

Os chineses voltaram aos livros que foram para a fogueira na década de 60. Com isso, aprofundam a sua cultura e familiarizam-se com outras. As bibliotecas foram reconstruídas não apenas nas grandes cidades, mas também no interior. Até o fim de 2015, serão 640 mil em todo o país. Todas elas equipadas com livros chineses e estrangeiros. Isso vai atender centenas de milhões de leitores famintos e que aumentam a cada dia.

Está aí a formula do sucesso. A China ganha mercados, mesclando cultura com beleza e com engenharia. É a globalização dos produtos, dos conhecimentos e dos sentimentos.

Conclusão. Com a aparente volta da liberdade no campo da cultura e das artes, os chineses estão dando uma grandiosa resposta à desatinada Revolução Cultural que tentou sufocar os talentos e acabar com a criatividade. Dessa forma, a China se fortalece, marca a sua identidade, cria empregos de boa qualidade e conquista os corações - e os bolsos - dos consumidores de todo o planeta.

Sugiro aos meus alunos e jovens leitores que estudem a China, não para copiá-la, mas para inspirar entre nós a implantação das ferramentas da competição: cultura, ciência e instituições.