Publicado em o O Estado de São Paulo, 19/01/2010.
O desemprego dos ricos.
Quando olhamos para as taxas nacionais de desemprego, nós pesquisadores fotografamos a floresta e não as árvores. Os jornalistas, ao contrário, começam sempre por descrever as dificuldades de personagens reais para, depois, apresentar uma visão global. As duas visões se completam. Mas, sem dúvida, a descrição das árvores reflete melhor os dramas humanos decorrentes da falta de emprego.
Tenho lido vários relatos de jornalistas sobre o assunto. Os danos do desemprego são sempre mais graves entre os mais pobres. Mas, é desoladora a descrição do sofrimento dos desempregados nos países ricos.
Nos Estados Unidos, o número dos que perderam o emprego, o cartão de crédito e a própria casa é colossal. As conseqüências dessa combinação de infortúnios têm sido devastadoras. Em Nova Iorque os desempregados, que não têm onde dormir, estão passando as noites frias nos vagões dos metrôs e dos trens em repetidas viagens de ida e volta. É o chamado "hotel ambulante". Outros, disputam as cadeiras das salas de espera dos serviços de emergência dos hospitais onde ficam aquecidos até o amanhecer. Durante o dia, recorrem às igrejas e às ONGs para se alimentar.
Para conseguir o apoio do seguro-desemprego ou do programa de auxílio-alimentação - food stamps - é preciso preencher várias condições, o que é raro entre os que trabalham por dia (diaristas), principalmente os imigrantes com status ilegal. Estes perderam a condição de viver nos Estados Unidos e não têm recursos para voltar ao seu país – uma situação desesperadora que envolve adultos, idosos e crianças.
No Japão, a falta de onde morar entre os desempregados levou as autoridades a criar cubículos pouco maiores do que um caixão de defunto para acomodar os destituídos. É o que chamam de "hotéis-cápsula". São caixas de plástico de dois metros de cumprimento, um metro e meio de largura e um metro de altura, empilhadas na forma de beliches, nas quais as pessoas entram agachadas para descansar e, talvez, dormir.
Além de um pequeno colchão e um cobertor fino, os hotéis- cápsulas oferecem uma lâmpada de leitura e uma mini-televisão com fones de ouvido para o som não perturbar o vizinho.
Só em Tóquio, já são mais de 16 mil "aposentos" – há muito mais no interior. O seu uso não é gratuito. Alguns desses hotéis alugam as caixas por dia, mas, a maioria, exige o pagamento de um mês. Por isso, só os "desempregados da elite" e que contam com o apoio do seguro desemprego ou de algum programa assistencial é que podem arcar com essas despesas. É inacreditável que isso aconteça na segunda maior economia do mundo!
O desemprego causa danos materiais, mentais e morais. Pesquisas recentes indicam que se elevou muito o número de pessoas atingidas por depressão e ansiedade em decorrência da prolongada desocupação nos países ricos ("Poll reveals trauma of joblessness in U. S., New York Times, 14/12/2009).
À luz dos dados disponíveis, esses danos vão perdurar por um bom tempo. Os frágeis sinais de recuperação da economia dos países ricos não se traduziram até agora na criação de empregos.
Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego continua em torno de 10%, sem contar os milhões de americanos que – desalentados – pararam de procurar emprego. São cerca de 16 milhões de pessoas – o dobro do que ocorreu em 2007! Os que permaneceram empregados tiveram seus salários reais diminuídos.
No Japão, a taxa de desemprego ultrapassou os 6%, atingindo cerca de 5,5 milhões de pessoas, o que é assustador em um país que sempre viveu em condições de pleno emprego e muita estabilidade.
Robert Reich, ex-Ministro do Trabalho no governo Clinton e especialista em economia do trabalho, afirma que a taxa de desemprego nos Estados Unidos vai permanecer elevada por muitos anos. Alguns postos de trabalho não voltarão mais, porque migraram em definitivo para o exterior. Outros foram substituídos pelas máquinas. O Bureau of Labor Statistics do Ministério do Trabalho, estima que a situação voltará a um frágil equilíbrio só em 2018.
No Brasil, as perspectivas de curto prazo são boas, embora, reconheçamos, muitos dos nossos desempregados já dormem debaixo de pontes. Mas, precisamos de elevado bom senso para que o quadro atual não piore. Afinal, há dois anos, ninguém poderia imaginar o que está acontecendo nos países ricos.
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