Publicado em o Jornal da Tarde, 01/07/2009.
Salário sem trabalho
A crise no mercado de trabalho continua grave, tanto nos Estados Unidos como na Europa. Em junho a economia americana perdeu 467 mil empregos e a européia 273 mil. Nas duas regiões a taxa de desemprego chegou a 9,5%.
Para não agravar ainda mais o problema do desemprego, empregadores e empregados estão praticando soluções inusitadas. Na Mercedes Benz da Alemanha, houve garantia de emprego para os que aceitaram profundos cortes dos salários. Na British Airways, da Inglaterra, uma parte dos funcionários decidiu trabalhar um mês de graça para evitar mais demissões ("Soluções nada usuais evitam demissões", Valor Econômico, 02/07/09).
É o mundo do trabalho sem salário. Felizmente, o Brasil está longe disso. A taxa de desemprego está alta (8,8%), mas estável. Não houve agravamento nos últimos três meses.
É verdade que várias categorias negociaram redução de jornada e de salário para manter os empregos. Mas, a maioria dos brasileiros ficou fora disso. Trabalho e salário continuam fluindo normalmente.
Há uma parcela da população, porém, que estão na outra ponta. São pessoas que vivem no mundo em que há salário sem emprego. Corrijo. Não é bem salário. Trata-se de um recurso seguro e continuo que é garantido pelo programa Bolsa Família.
São dois mundos diferentes. Nos países mais ricos da Europa vê-se gente que se dispõe a trabalhar sem ganhar, ou ganhando muito pouco. No Brasil, muito mais pobre, tem-se 11 milhões de famílias, cuja maioria, ganha sem trabalhar.
Não estou criticando o programa, pois, como já afirmei nesta coluna, são essas ajudas que têm mantido um razoável nível de consumo e evitado uma crise maior. Quero explorar um outro aspecto.
Uma grande parte dos beneficiários do Bolsa Família deixaram de procurar emprego há muito tempo. Uns porque não querem, outros porque não encontram. Se estivessem procurando emprego, a taxa de desemprego seria muito maior do que os 8,8% registrados pelo IBGE. Sim, porque, tecnicamente, só são considerados desempregadas as pessoas que estão paradas, procuram trabalho e não encontram. Se os 11 milhões de beneficiados do Bolsa Família viessem a procurar emprego, a taxa de desemprego ultrapassaria os 15%. Está aí, outra vez, o problema das estatísticas: revelam uma parte do fenômeno e escondem o essencial. |