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Publicado em o Estado de S. Paulo, 19/10/2004.

De onde vêm os empregos formais

As peças publicitárias do governo federal têm anunciado a criação de mais de 1,4 milhão de empregos formais em 2004. Ao mesmo tempo, nas conversas de família, nota-se que os brasileiros não conseguem encontrar esses empregos. O que está acontecendo?

O governo usa os dados do CAGED (Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho e Emprego). Uma outra fonte de dados para identificar o crescimento dos empregados é a PME (Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE) realizada junto aos domicílios de regiões metropolitanas.

Há diferenças entre as duas pesquisas. O CAGED cobre empresas (meio urbano e rural) enquanto que a PME cobre indivíduos (urbanos). Os dados do CAGED se referem a empregados do mercado formal (com registro em carteira) enquanto que os dados da PME se referem a empregados formais e informais, e outros tipos de trabalhadores (conta própria, empregadores, etc.).

Entretanto, Paulo Mol, economista da CNI procurou tornar essas pesquisas comparáveis. Para tanto, selecionou nos dados da PME apenas os empregados formais e restringiu os dados do CAGED às seis regiões metropolitanas da PME.

O que aconteceu? A PME mostra que, nos últimos 12 meses, o emprego formal nas regiões metropolitanas pesquisadas cresceu 1,55% enquanto que o CAGED registra um aumento de 4,81% - uma diferença gritante.

No mês de agosto de 2004, a PME encontrou 7.406 milhões de empregados formais enquanto que o CAGED registrou 8.851 milhões - outra diferença monumental.

Quando se desagregam as regiões metropolitanas, os desencontros são alarmantes (ver quadro).

Variação Percentual do Emprego Formal

Regiões Metropolitanas

agosto de 2004 e agosto de 2003

janeiro/agosto de 2004 a janeiro/agosto de 2003

PME

CAGED

PME

CAGED

Recife

1,55

3,53

-0,29

1,89

Salvador

-1,72

4,35

2,43

2,79

Belo Horizonte

6,77

6,10

2,33

4,61

Rio de Janeiro

-0,06

4,31

-0,01

3,29

São Paulo

1,54

4,78

0,55

3,33

Porto Alegre

2,23

5,64

3,38

3,47

Total

1,55

4,81

0,94

3,36

Fonte: PME e CAGED. Cálculos de Paulo Mol, "Pesquisas oficiais têm desencontro de 1,4 milhão de vagas", O Estado de S. Paulo, 13/10/2004.

Na comparação de agosto de 2004 com agosto de 2003, os empregados formais de Salvador, segundo a PME, diminuíram 1,72% enquanto, segundo o CAGED, aumentaram em 4,35%. Há outras diferenças colossais. Por exemplo, quando se consideram os meses de janeiro a agosto em 2004 versus o mesmo período em 2003, o emprego formal em Recife diminuiu -0,29% na PME e aumentou 1,89% no CAGED. No Rio de Janeiro a diferença foi de -0.01% e 3,29%. Em São Paulo, de 0,55% para 3,33%.

Essas contradições precisam ser esclarecidas. Afinal, o quadro do desemprego continua aflitivo, inexistindo melhora nas taxas de desemprego, que continuam acima de 11%. Seria isso atribuível a um crescimento do número de pessoas que passaram a procurar trabalho? É pouco provável.

Duas forças podem ter se conjugado para elevar os empregos formais no CAGED. Trata-se da combinação da recuperação da economia com a intensificação da fiscalização dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social.

De fato, em épocas de reativação econômica, muitos empregadores decidem formalizar os empregados que estavam na informalidade. No CAGED, isso aparece como nova contratação. Não se trata de criação de novas vagas, mas apenas de vagas que estavam preenchidas por empregados informais.

O Ministério do Trabalho e Emprego estima que a intensificação da fiscalização responde por um terço das "novas vagas". Mas isso deve estar subestimado devido ao efeito demonstração da própria fiscalização que, ao atuar sobre uma empresa leva outros empregadores a formalizar os empregados que estão na informalidade.

Tudo isso requer especial cuidado no uso dessas estatísticas. Como regra de pesquisa, o melhor termômetro do mercado de trabalho são as pesquisas domiciliares. Os dados de empresa são de utilidade, sem dúvida, mas para outros propósitos. De qualquer forma, se a formalização decorre da combinação de retomada e fiscalização, isso deverá aparecer nas próximas pesquisas domiciliares.