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Publicado no O Estado de São Paulo, 03/03/2009.

As dispensas na Embraer

Ao atender a convocação do Presidente Lula que exigiu uma explicação sobre a dispensa de 4.270 funcionários, os diretores da Embraer afirmaram que a causa dessa tragédia não está nem na empresa, nem no governo, nem no Brasil. Tudo decorre de uma drástica redução da demanda de aviões em 30%.

Ao que se sabe, o Presidente Lula, condoído, aceitou as explicações e pediu a prorrogação dos benefícios por mais alguns meses, em especial, os convênios médicos.

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, porém, não se conformou. Provocado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, o nobre desembargador Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva decidiu suspender as dispensas até o dia 5 de março, data para a qual convocou as partes para uma audiência de conciliação. Nessa audiência a empresa terá de apresentar o balanço patrimonial e os demonstrativos contábeis dos últimos dois anos.

A Embraer já anunciou que vai recorrer dessa decisão. Talvez nem haja a referida audiência. Mas o que ocorreria se a empresa tivesse de apresentar os dados solicitados?

Em janeiro de 2007, a Embraer tinha US$ 15 bilhões de pedidos em carteira. No fim do ano, saltaram para US$ 19 bilhões. No início de 2008, chegaram a US$ 21 bilhões e assim ficou até o fim do ano. Em 2007, a empresa entregou 169 aviões e em 2008, 204 unidades. Nesses dois anos, a situação patrimonial permaneceu sólida. Houve lucro. Como se diz na aviação, foi um céu de brigadeiro para a maior parte do período.

Percebe-se que os dados solicitados pouco ajudarão a entender o problema atual e futuro. Eles retratam o passado. Nada dizem sobre o que motivou as dispensas.

O que fazer quando a demanda se contrai fortemente e por um longo período de tempo? As medidas paliativas – férias coletivas, banco de horas, suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salário – de nada adiantam. Elas ajudam quando se tem perspectiva de uma rápida retomada dos negócios. Não é o caso.

De outubro de 2008 a esta data, o quadro mundial para os fabricantes de aviões tornou-se dramático. As companhias aéreas suspenderam e cancelaram pedidos de aeronaves. O movimento de passageiros e de carga despencou. Aliás, isso atingiu também os navios. Há embarcações vazias que, não tendo o que transportar, estão sendo alugadas para estocar em alto mar os automóveis que ninguém quer comprar na Europa, Ásia e America do Norte.

Adiamentos e cancelamentos de pedidos de aviões continuam ocorrendo todos os dias. Nos primeiros onze meses de 2008, a Airbus teve 112 aeronaves canceladas. Para 2009, a Boeing espera uma redução de 53% nos novos pedidos (Centre for Ásia Pacific Aviation and Europe Airline Daily, Fevereiro de 2009). As duas empresas já colocaram em prática um programa de dispensas que atingirá 10 mil empregados em cada uma.

Admitindo que a Justiça do Trabalho tenha prerrogativas para exigir dados de qualquer empresa que dispense empregados – não entro nessa área por não ser minha praia -, sugiro que se tenha mais objetividade ao solicitar informações. De nada adianta saber o que ocorreu no passado quando o problema é do presente e do futuro.

Nenhuma empresa dispensa empregados que são necessários para a sua produção. No caso, os profissionais da Embraer são altamente qualificados: 70% completaram o segundo grau e fizeram cursos técnicos; 24% têm curso superior e possuem especialização; e 6% fizeram pós-graduação, mestrado e doutorado, com concentração na indústria aeronáutica. Dentre os dispensados estão mais de 200 engenheiros.

A Embraer é resultado de pesados investimentos em capital humano realizados junto com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). A empresa sempre funcionou como uma família. A dispensa está sendo muito dolorosa. O desemprego causa graves danos pessoais, psicológicos, econômicos e sociais. Mesmo que o governo venha a ajudar a Embraer, para a manutenção do emprego, nada substitui a demanda efetiva dos aviões.

Disso se conclui que o Brasil não está isolado no mundo. A tese do descolamento caiu por terra. Quando há um tsunami lá fora, para nós, sobra muito mais do que uma marolinha...