Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/06/2008
A Europa perdeu a paciência
A União Européia aprovou uma dura lei de imigração. Vai prender e deportar os imigrantes ilegais.
Como vai funcionar isso? Os imigrantes terão um prazo de até 30 dias para deixar voluntariamente o país onde vivem. Os que não saírem, serão notificados oficialmente. Se desobedecerem, serão presos. Em seguida, expulsos, aliás, "removidos". Os europeus acham essa palavra mais suave...
Apesar de a lei ter um prazo de carência, esperam-se manifestações sociais imediatas tanto de imigrantes quanto de nativos. O assunto é explosivo.
A Europa está numa encruzilhada. Na maioria dos países, a população diminui. A Itália e a França pagam para as moças terem uma criança. Poucas se animam.
A população envelhece e não há reposição. Em 2050, a população com mais de 65 anos na força de trabalho será de 60%! Muitos já estarão aposentados. Faltarão jovens para trabalhar.
Isso significa que a Europa precisa de gente de fora, o que os nativos detestam. Temem perder seus empregos para os imigrantes e, em especial, para os seus filhos que estão se educando melhor.
O temor é justificável. Os países da União Européia, especialmente os do antigo lado ocidental (França, Itália, Bélgica e outros), têm gerado poucos empregos.
A maior dificuldade para gerar empregos é o excesso de regulamentação nacional e, agora, internacional, para toda a União Européia. As restrições para dispensar empregados, por exemplo, atuam como inibidor de novas vagas.
O Banco Mundial calcula o índice de dificuldade para gerar empregos. Quanto mais alto, mais difícil. Gerar um emprego em Portugal, por exemplo, é 48 vezes mais difícil do que nos Estados Unidos. Na França e na Espanha é 56 vezes. Com isso, o desemprego cresce. O desemprego é alto não porque os candidatos são muitos – como ocorre no Brasil - mas porque os empregos são poucos.
Para os trabalhadores, o que mais machuca é a atual falta de empregos. Para a economia, é a futura falta de empregados. Para os políticos, é falta de votos dos eleitores (nativos) que estão mais preocupados com os empregos do presente do que com os filhos do futuro.
Por isso, conservadores e liberais votaram juntos. Os socialistas e os verdes foram mais bonzinhos: pleitearam um período mais curto de prisão...
É claro que nenhum país pode admitir a ilegalidade. Mas, é claro, seria possível acertar isso se houvesse um interesse genuíno em contar com essa mão-de-obra.
Os europeus querem trabalhar pouco, ter um bom seguro desemprego, desfrutar de uma aposentadoria generosa, usufruir licenças longas e manter altos salários. Isso é muito caro. Ademais, precisa ser sustentado pelos jovens.
Até quando esse estilo de vida vai durar em um mundo que é obrigado a enfrentar a concorrência da China, Índia e outros países emergentes?
Com orçamentos deficitários devido ao excesso de despesas seguro desemprego prolongado, aposentadorias e licenças invejáveis, e, ainda com o problema demográfico que já está instalado, os especialistas estimam um alarmante declínio no crescimento econômico da Europa dos 2,3% atuais para 1,8% em 2010 e 1,3% em 2030.
A única coisa que não pára de crescer é a imensa burocracia que sai diariamente dos milhares de funcionários de Bruxelas, aliás, nem sempre aprovada. Pelo veto da França e da Holanda, a alta administração viu frustrado o sonho de aprovar uma Constituição para a União Européia. A frustração aumentou há duas semanas quando uma tentativa de substituir a natimorta Constituição por uma regulação mais simples foi para os ares com a rejeição da Irlanda ao Tratado de Lisboa.
No mundo do trabalho a retórica é das mais fascinantes. As palavras da moda são "diálogo social", "trabalho decente" e "ações anti-discriminação". Ao lado disso, é votada essa lei draconiana contra os imigrantes ilegais. Em 2004 proibiram o transito de trabalhadores dos países recém ingressados na União Européia (Estónia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Eslovênia, República Checa, Hungria, Polônia, Malta e Chipre). O livre transito foi um dos pilares básicos na formação da Comunidade Européia. Em 2007, a burocracia repetiu a dose, ao proibir a mobilidade dos cidadãos da Romênia e Bulgária que acabavam de entrar na União Européia. Correndo por fora, as barreiras contra o comércio dos países emergentes estão cada vez mais altas.
A retórica é bonita. A prática é feia. Para quem deseja construir uma comunidade com base em princípios da democracia e da solidariedade parece existir um longo caminho a percorrer. |