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Palestra proferida no Congresso de Educação 2008 promovido pelo SENAI de Minas Gerais, Belo Horizonte, 16-06-2008.

O Trabalho do Futuro: Desafios da Juventude Brasileira

A geração de empregos depende de vários fatores. Três deles são essenciais: crescimento econômico sustentado, educação de boa qualidade e legislação realista. O Brasil está mal em todos. Nas últimas décadas, o crescimento econômico foi anêmico. O ensino continuou precário. E a legislação trabalhista segue desajustada em relação às novas formas de trabalhar.

Apesar do esforço recente, o desemprego continua na faixa de 8,5% e a informalidade atinge mais de 50% dos brasileiros.

Não podemos nos conformar com esse quadro. O Brasil tem um potencial imenso para gerar empregos. Tudo está por ser feito. Superados os constrangimentos macroeconômicos e os problemas da educação e da legislação, nosso país pode se tornar uma verdadeira usina de empregos e bons empregos.

Vejam o caso da infra-estrutura. Apesar de seu tamanho continental, o Brasil tem apenas cerca de 160 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Isso não é nada. A Austrália tem 250 mil quilômetros, a Itália possui 300 mil quilômetros, o minúsculo Japão dispõe de quase 800 mil quilômetros e os Estados Unidos, mais de 5 milhões.

Nesse campo, há uma enorme demanda de trabalho reprimida para construir e manter as estradas que o país precisa.

O mesmo pode ser dito para edificar as 12 milhões de moradias de boa qualidade que hoje estão faltando e para erguer as hidroelétricas que são essenciais para manter a economia crescendo.

Tudo isso cria muitos postos de trabalho. O Brasil já é uma superpotência agrícola e se destaca em setores de ponta como é o caso, por exemplo, da fabricação de aviões. Nossa capacidade exportadora tem crescido a passos largos, revelando que os produtos brasileiros são respeitados no exterior.

Outros setores têm igual potencial. Os campos do turismo, educação, saúde e o cuidado de crianças e idosos são ótimos nichos. Tais atividades dependem mais do contato humano do que de máquinas. Isso abre oportunidades de trabalho.

As máquinas tornaram-se baratas e inteligentes e substituem os seres humanos em várias tarefas. Mas elas têm dois efeitos aparentemente contraditórios sobre o emprego.

De um lado, elas destroem postos de trabalho. Onde entra a máquina sai o trabalhador.

De outro, elas elevam a produtividade, aumentam os lucros, estimulam novos investimentos e, com isso, geram novos empregos.

O principal efeito das tecnologias é o deslocamento da mão-de-obra de um setor para outro. Nos próximos 20 anos, a indústria e a agropecuária empregarão menos gente e o comércio e serviços empregarão muito mais. Dentro de cada setor, haverá exceções. Na indústria, crescerá a demanda por trabalho na construção civil e de infra-estrutura. Na agropecuária aumentarão as oportunidades para quem lida com bio-combustíveis, agro-indústria, meio ambiente, jardinagem, paisagismo e animais domésticos. No comércio e serviços diminuirá a demanda de profissionais que podem ser substituídos pelas tecnologias da informática - almoxarifes, controladores, telefonistas, caixas e outros do mesmo gênero.

A evolução do emprego seguirá a evolução das empresas. Nesse campo as mudanças têm sido enormes. As empresas passam por um profundo processo de mutação. Muitas se fundem. Outras se subdividem. Várias entram em ramos novos. Inúmeras adotam novas tecnologias e novos modos de produzir e vender.

Isso afeta a composição dos quadros de pessoal e os modos de trabalhar. Afeta também a vida e o conteúdo das profissões. Algumas morrem; outras nascem e a maioria se transforma.

Aprofundemos a análise da mutação das empresas. Eu sou do tempo em que as montadoras ganhavam dinheiro vendendo automóveis. Hoje, elas geram uma receita colossal, através de seus bancos, emprestando dinheiro. Elas fazem questão que seus revendedores convençam os consumidores de comprarem um veículo para pagar em 100 prestações mensais! É o caso de indústrias que adentraram no setor financeiro. O quadro de pessoal que era composto de metalúrgicos e administradores, passa a receber profissionais entendidos em mercado de capitais, câmbio, dívida pública, taxas de juros, segurança de crédito, etc.

Eu sou também do tempo em que a General Electric construiu um império mundial vendendo turbinas de avião e tomógrafos para hospitais. Hoje, o grosso de sua receita vem da assistência técnica às turbinas e aos tomógrafos. É uma indústria que fatura prestando serviços. O seu quadro de pessoal também se tornou mais heterogêneo desde que entrou nessa área. Vejam o caso da IBM. Nasceu para produzir equipamentos de escritório e computadores. Hoje, mais de 50% da sua receita vem da prestação de serviços.

Eu sou ainda do tempo em que as empresas aéreas ganhavam dinheiro apenas com o transporte de passageiros e cargas. Passados vários anos, uma parte expressiva de seus recursos vem da venda da sua logomarca para os cartões de crédito. As empresas que eram meras transportadoras casaram-se com os bancos. Novos profissionais foram chamados para compor os seus quadros.

Nos dias atuais, já não se sabe a que setor uma empresa pertence. Há indústrias que entram no campo dos serviços. Outras entram no campo das finanças. Da mesma forma, há empresas do comércio que passam a fazer trabalhos industriais como é o caso da papelaria que, ao adquirir uma máquina xerox e um computador, passa a funcionar como gráfica.

As mutações das empresas estão se tornando revolucionárias. O McDonald´s, conhecida pelos bilhões de sanduíches que serve em mais de 100 países, partiu para o ramo hoteleiro usando o seu reconhecido know-how nos campos da presteza, higiene e automação. Seus hotéis se destinam a executivos que são hóspedes exigentes nesses três quesitos.

No Brasil, as empresas de carro-forte - que antes só transportavam valores - estão realizando o serviço de tesouraria para lojas e supermercados. Esses estabelecimentos passam a usar os espaços para vender produtos - que é a sua missão principal - e deixam para as transportadoras a tarefa de administrar os recursos. Muitas dessas empresas prestam consultoria aos seus clientes na área de segurança.

Essa reviravolta tem grandes implicações para o emprego e para as profissões. Toda vez que uma empresa avança em determinado setor (que é estranho à sua missão original), ela incorpora profissionais de outras especialidades. Os quadros estão mais diversificados.

Ao mesmo tempo, o trabalho foi extraordinariamente fragmentado. Nos dias de hoje, é desvantajoso fazer tudo. Para as empresas, é mais conveniente se concentrar na sua missão central e subcontratar o resto de empresas especializadas - a chamada terceirização. Ao se multiplicarem as empresas sub-contratadas, as contratantes organizam novas formas de administração, monitorando as contratadas para se manter padrões de produção e qualidade dos produtos. É um novo tipo de verticalização. É a verticalização virtual.

Nas empresas subcontratadas, as exigências são maiores. A qualidade é ditada pelas empresas contratantes. Por isso, quem trabalha em uma empresa subcontratada pela General Motors, Votorantim ou Bradesco, tem de seguir padrões de eficiência dessas empresas. A qualificação é imprescindível. Já não se pode dizer que só as grandes empresas são exigentes em matéria de qualidade. As pequenas e médias, seguem o mesmo caminho.

Nem se pode dizer que a indústria é mais exigente. O comércio e serviços estão na mesma trajetória. Até os chamados setores mais tradicionais - como a agricultura no campo e a construção civil nas cidades - aumentam o nível de qualificação que se exige de um profissional.

Façam um teste: visitem uma feira de produtos agropecuários e perguntem aos vendedores, por exemplo, o que deve um lavrador saber para usar um novo herbicida. Ele lhes dirá que a primeira exigência é a leitura e compreensão da bula que acompanha o produto. Em seguida, o lavrador tem de saber que tipo de praga pretende destruir, qual a extensão da área, e que tipo de diluição é apropriada. Finalmente, tem de saber escolher o bico adequado e fazer a aspersão de acordo com os procedimentos indicados no produto. Convenhamos, esse lavrador não pode ser analfabeto - nem analfabeto funcional.

Para tornar as pessoas mais empregáveis, a capacitação é essencial. E a melhoria do nosso sistema de ensino é urgente.

Mas, o jovem costuma perguntar: enquanto isso não acontece, o que será da minha vida?

Convém saber que o mundo em que os jovens vão trabalhar está passando por uma verdadeira revolução. A velocidade das inovações tecnológicas é meteórica. Para acompanhar essa velocidade de mudança não basta ser adestrado. É preciso ser educado - e bem educado. A boa educação é aquela que dá ao ser humano a autonomia para crescer, a que injeta nas pessoas o vírus da curiosidade, que as leva a explorar o desconhecido o tempo todo, lendo intensamente não só sobre a sua profissão, mas também sobre as profissões correlatas.

O mercado de trabalho está se tornando muito exigente. As empresas não contratam diplomas, currículos ou recomendações. As empresas contratam respostas e profissionais curiosos e que têm capacidade de apreender continuamente. Daí a importância da boa educação. O tempo do pistolão e do apadrinhamento acabou. Uma boa indicação ajuda. Mas a competência é eliminatória. Quem não tem, dança – mesmo com boa indicação. Isso porque, no mundo concorrencial, as empresas não podem carregar cabides de emprego de pessoas ineficientes ou preguiçosas. Os concorrentes passarão na sua frente e a empresa quebrará.

Vocês que são jovens levem isso em conta. Quando o professor pede para ler um livro, leiam dois. Quando pede dois, leiam quatro. Cultive em vocês o hábito de estudar por conta própria. Aproveitem todos os momentos de folga para aprender, aprender e aprender. Se o emprego está difícil para quem estuda, imagine as dificuldades para quem vive nas trevas.

E o que dizer das escolas? Quais são os seus desafios? Como preparar o profissional que o mundo do trabalho procura?

Todos sabemos que para se chegar à boa qualidade de educação é fundamental combinar com maestria o capital físico com o capital humano.

No recrutamento das pessoas, as empresas buscam competência profissional, bom senso, lógica de raciocínio, capacidade de trabalhar em grupo assim como comunicar-se bem e dominar línguas estratégicas.

Mas, além disso, as empresas estão de olho no capital social dos seus colaboradores. O que é o capital social?

O capital social é o conjunto de valores, atitudes, hábitos e condutas que marcam o modo de ser das pessoas.

É com base nele que se constrói a ética do trabalho. Destacarei aqui alguns dos traços do capital social.

Zelo. O mundo do trabalho espera que os profissionais tenham zelo em tudo o que fazem. Zelo na atividade a ser realizada. Zelo no uso do equipamento. Zelo em relação à natureza. Zelo com os colegas. Quem não tem zelo, tem pouca chance de subir na vida.

Disciplina. A disciplina entra em tudo. Disciplina em relação aos horários – a pontualidade. Disciplina em relação à hierarquia das organizações. Disciplina no estabelecimento de prioridades. Quem não tem disciplina sofre com a instabilidade de emprego e oscilação de renda.

Comprometimento. Comprometimento em relação ao trabalho. Gostar do que faz. Ter amor pelo bem feito. Ter prazer em fazer cada vez melhor. Quem faz mal feito, tem pouco reconhecimento.

Fazem parte do capital social a temperança, a moderação, a responsabilidade, os bons tratos nas relações interpessoais, a mentalidade construtiva e o cultivo da cooperação.

Mas o capital social vai mais longe. Como não existe o profissional pronto e acabado, as empresas buscam aquele que tem vontade de aprender. O que está consciente das suas lacunas. O que procura adquirir novos conhecimentos o tempo todo. O que tem obsessão pela leitura. O que possui dentro de si o vírus da curiosidade.

Resumindo: zelo, garra, disciplina, organização, cordialidade, respeito, comprometimento, responsabilidade, amor pelo bem feito, obsessão por apreender, vírus da curiosidade. Estão aí os componentes básicos do capital social.

Como se forma o capital social? Não adianta fazer preleções ou aplicar testes de múltipla escolha. A pedagogia para transmitir valores é diferente da pedagogia para transmitir informações. Informações passam bem com boas apresentações. Valores são transmitidos pelos exemplos. O que vale é a pedagogia do exemplo e não a pedagogia do "power point".

Exemplos! Exemplos! Exemplos! Os filhos formam atitudes semelhantes às dos pais observando seus exemplos. O pai e a mãe não precisam dar aulas sobre o assunto. Eles precisam mostrar como são. E isso penetra na alma dos filhos.

Por que algumas escolas conseguem transmitir capital social e outras não?

- Só transmite quem tem o que transmitir. Quem cultiva a ética do trabalho. Quem pratica os bons hábitos. Sempre pela via do exemplo.

Na escola, os exemplos entram em tudo. Na conservação das salas de aula. No bom trato das áreas de lazer. Na limpeza. Na ordem. Na pontualidade das aulas, das refeições e do lúdico. No respeito ao próximo. E na valorização do trabalho como realização humana.

Isso conta muito para o trabalho e para a cidadania.

Para ser membro da sociedade, basta sentarmos na arquibancada, aplaudir, criticar e sair correndo porque estamos sempre ocupados com outras coisas. Para a democracia, porém, isso é pouco. Precisamos ser cidadãos. E, como cidadãos, temos de entrar em campo e jogar o jogo, demandar nossos direitos e cumprir com nossos deveres.

Na Constituição do Brasil, a palavra direito aparece 76 vezes enquanto que a palavra dever aparece apenas quatro vezes. A palavra produtividade, duas vezes e eficiência uma vez. O que se pode fazer com um país que tem 76 direitos, 4 deveres, duas produtividades e uma eficiência?

Os deveres ficaram para a família e para a escola, que é chamada a informar, pela via das exposições, e formar, pela via dos exemplos.

Como estamos em um Congresso patrocinado pelo SENAI, permitam-me dizer o que sei dessa instituição.

Na minha longa carreira de pesquisador, visitei centenas de escolas do SENAI. Nunca vi um aluno do SENAI sair da escola sem antes arrumar a bancada, sem limpar as ferramentas, sem cuidar de seu avental, sem deixar tudo em ordem. Nunca vi um aluno do SENAI ofendendo professores ou funcionários e, muito menos, agredindo diretores.

Nunca vi uma parede pichada. Um banheiro depredado. Um gramado abandonado. Uma piscina sem manutenção. Nunca tive notícias de violência nas salas de aula. Nunca soube de professores que fazem greves semanas a fio ou gastam mais tempo em reuniões do que na sala de aula. Nunca vi promoção sem mérito. Nunca vi inflação de notas.

Como é que se explica isso? Afinal, as escolas do SENAI estão na mesma comunidade das demais escolas. É a mesma população. São os mesmos problemas econômicos. As mesmas mazelas sociais. Por que o aluno respeita as suas escolas?

O diferencial está no capital social. É a diferença entre quem transmite valores e quem não transmite.

No meu entender, esse é um dos mais preciosos patrimônios do SENAI. E a população valoriza isso. Faz de tudo para conseguir uma vaga nas suas escolas.

De onde vêm esses traços de ordem, limpeza, pontualidade, assiduidade e respeito?

Penso que isso faz parte da cultura das empresas. Não conheço nenhuma empresa bem sucedida que seja suja, desorganizada, relapsa e tocada por profissionais desleixados e sem ética do trabalho.

Acredito nisso. O SENAI é uma extensão das indústrias e estas sabem muito bem que só vencem a batalha da competição quando combinam com eficiência os capitais físico, humano e social.

A boa qualidade do seu ensino se reflete na boa empregabilidade de seus egressos. Por sua vez, a empregabilidade de seus egressos reflete a objetividade do ensino oferecido. Essa simbiose entre demanda e oferta é fundamental. São os empresários que conhecem os rumos da evolução tecnológica. São eles que exigem a preparação voltada para essas tecnologias. Foco. Quando as escolas têm foco, tem meio caminho andado.

Problemas existem, é claro. A rede ainda é insuficiente para a demanda do Brasil. Nem sempre os currículos escolares mudam com a velocidade desejada. Observam-se defasagens entre os treinamentos rápidos e a aprendizagem de profundidade.

Mas, tudo pode ser acertado pela própria Entidade, em colaboração com seus parceiros estratégicos. O acúmulo de experiências e a sinalização da demanda empresarial são parte do seu capital social e, com base nelas, tenho certeza, os jovens brasileiros poderão contar com uma preparação profissional cada vez melhor.

Encerro esta fala cumprimentando os organizadores deste evento e dizendo-lhes que seus desafios não são pequenos – mas não são maiores do que a sua competência para equacioná-los e resolvê-los adequadamente.