Publicado em O Estado de S. Paulo, 18/12/2001
Promoção automática e empregabilidade
Para um professor como eu, acostumado a dar provas semanais, a idéia de promover o aluno de uma série para outra, automaticamente, dá um certo frio na barriga...
Entendo a razão dos que defendem essa idéia. Eles pretendem parar de usar a reprovação como castigo, na esperança de que tal expediente possa reabilitar as crianças "preguiçosas". No passado, isso ocasinou a repetência de 40% dos que cursavam a primeira série do curso básico, colaborando para uma grave evasão dali para frente.
A promoção automática ou "progressão continuada" se baseia no sistema dos ciclos. O primeiro ciclo vai da 1ª à 4ª série e o segundo da 5ª à 8ª. O aluno passa automaticamente de uma série para outra, podendo ser reprovado, só no fim de cada ciclo. Quando o professor percebe que o aluno está com dificuldades, compete à escola providenciar um programa de recuperação paralela e um adicional de aulas.
Essa é a teoria mas, na prática, os resultados são contraditórios. Quando o professor é bom, tudo vai bem. Quando o mestre é fraco, as crianças estancam. Quando o diretor é competente, o sucesso é alto. Quando o diretor é ritualista, tudo fica como sempre esteve. Raramente os melhores professores e diretores cuidam dos piores alunos. Além do mais, poucas escolas contam com a infra-estrutura pedagógica para desenvolver um ensino personalizado.
Em São Paulo, mais de 80% dos alunos estão no sistema de ciclos (cerca de 5 milhões). No restante do Brasil são 25% (cerca de 9 milhões). No estado de São Paulo, as taxas de repetência baixaram de 26% para 7% entre 1996-2000. Um retumbante sucesso. Mas, as crianças aprenderam o que lhes foi ensinado? Aqui, o quadro é obscuro. Entre os milhares de testes de redação realizados por concluintes do primeiro ciclo, o Estado de S. Paulo (01/10/2000) selecionou algumas "pérolas" como esta:
"A violencia começo (começou) assim um impresto (emprestou) a borracha para outro colego ai, u outro perde o (perdeu) a borracha ai o outro falo: daí minha borracha que eu vou usar agora o meu eu perdi o outro falo: se vai da outra (você vai dar outra). Eu não vou darnão então eu ti pego no hora da saída. Aí começo. Ai porrada de lá porrada de cá e assim vai. Aí o ou tro tiro arma do bolso e atiro: pro que isso pessoal por causo de uma borracha seis (vocês) vão brigar".
Em uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2001 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos da UNESCO entre 32 países, colocou o Brasil em último lugar no domínio dos rudimentos da linguagem. Conclusão: os alunos brasileiros não entendem o que lêem. No caso da aritmética, uma parcela expressiva não domina as quatro operações.
Nos dias de hoje, a questão da qualidade é de extrema importância: o mercado de trabalho está cada vez mais exigente. Não é a toa que as estatísticas mostram uma elevação dos anos de escola entre os desempregados no Brasil. Ficar oito anos na escola não é garantia de aprendizagem.
O sistema de ciclos tem vários riscos. O mais grave é que a constatação de que o aluno não aprendeu nada pode ocorrer tarde demais. Os Estados Unidos se preparam para implantar um sistema que exigirá testes anuais para os alunos. As escolas terão de alocar os professores mais fortes para os alunos mais fracos. Depois de dois anos, se comprovada a ineficiência da escola, o governo reduzirá seus recursos, transferindo-os para os pais, na forma de cupons, que poderão ser usados para matricular seus filhos em escolas públicas ou privadas de melhor qualidade.
No Brasil a chave do sucesso não está em fazer reformas, instituir modismos e mudar sistemas. Em matéria de educação, somos os campeões de reformas que foram sucedidas por outras reformas que não deram em nada, como bem salienta Maria Luiza Marcílio no excelente ensaio sobre "O atraso histórico na educação" (Braudel Papers, no. 30, 2001).
Entre nós, a chave do sucesso está na existência de professores bem treinados, dignamente remunerados e administrados por diretores inteligentes e apoiados por uma infra-estrutura educacional de qualidade. Coisa muito importante é manter professores e diretores na mesma escola durante muitos anos - o que nem sempre acontece.
O Brasil está vencendo a batalha da quantidade e entra agora na batalha da qualidade do ensino. É isso que contará para a empregabilidade dos jovens. Educação não cria empregos, é verdade. Mas uma população bem educada atrai investimentos que, estes sim, criam postos de trabalho. Em outras palavras, a educação tem um efeito direto crescente na geração de empregos quando as sociedades substituem a força muscular pela força da mente. Nosso sistema escolar não precisa de mais reformas mas sim de condições que induzem uma melhor qualidade.
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