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Publicado em O Estado de S. Paulo, 06/11/2001.

A metamorfose das empresas e dos empregos

Eu sou do tempo em que a FIAT e a Volkswagen geravam toda sua renda, vendendo automóveis. Hoje, as montadoras ganham muito com seus bancos. No primeiro semestre de 2001, por exemplo, o Banco FIAT aumentou seus ativos em 65%, com acréscimo de quase R$ 1,5 bilhão em sua carteira. O lucro do Banco VW mais do que dobrou. Estamos em um tempo no qual certas indústrias se misturam com bancos.

Outras penetram no setor de serviços. No passado, a receita da General Electric provinha inteiramente da venda de turbinas de avião, tomógrafos e produtos semelhantes. Hoje, se origina da assistência técnica prestada aos compradores desses bens.

Veja o caso da VARIG. Anos a fio, a empresa ganhou dinheiro transportando passageiros e carga. Hoje, ela gera boa parte da sua receita vendendo a marca "Smiles" para os bancos, que a colocam nos cartões de crédito.

As empresas estão passando por grande mutação. Algumas se fundem; outras se dividem; e muitas entram em novos ramos, a ponto de colocarem em xeque a tradicional divisão das atividades econômicas em agricultura, indústria, comércio e serviços. A IBM, por exemplo, que vende tanta assistência técnica, é indústria ou prestadora de serviços?

Há mutações revolucionárias. A UNILEVER, um dos grupos industriais mais fortes do mundo (fatura US$ 44 bilhões por ano), entrou no ramo da faxina. Para tanto, criou uma subsidiária (MYHOME) com equipes de funcionários que são enviadas aos escritórios, fábricas e residências para fazer a limpeza diária. A empresa produz detergente nas plantas industriais e o utiliza nas suas atividades de serviços.

A McDonald´s, produtora de bilhões de sanduíches, partiu para o ramo hoteleiro, usando o seu reconhecido know-how em presteza, higiene e automação. Seus hotéis se destinam a executivos exigentes nos três quesitos. A entrada e saída são automáticas. Os aposentos são absolutamente limpos e equipados com computador, Internet, fax e até cama automática para atender a posição favorita dos hóspedes.

No Brasil, as empresas de carro-forte estão realizando para lojas, shopping centers e supermercados inúmeros serviços de tesouraria, na área econômica, e consultoria, na área de segurança. O Unibanco já tem nove salas de cinema e promete crescer muito mais no ramo do entretenimento. E assim por diante.

Essas mudanças têm grandes implicações para o emprego e para as profissões. Toda vez que uma empresa avança em determinado setor (que é estranho à sua missão original), ela é forçada a incorporar profissionais de outras especialidades, muitas vezes, de qualificação mais alta, outras vezes, de qualificação mais baixa. O método predominante para incorporar os novos profissionais é através da terceirização.

Nos casos de fusão e incorporação, o emprego geralmente encolhe nas empresas contratantes mas aumenta nas empresas contratadas. Mas não são os mesmos empregados que migram automaticamente de um lado para o outro. Ao contrário, a mutação de empresas exige outros tipos de colaboradores. No mesmo local ou em locais diferentes, empregados de formação heterogênea passam a trabalhar para a "nova empresa" ou para redes de empresas.

A mutação de empresas provoca mutações nos quadros de pessoal. Independentemente da qualificação dos profissionais, a tendência da empresa mutante é de exigir alta produtividade dos empregados que contrata, de forma direta ou indireta. Por isso, a demanda por mais qualificação não vem apenas das novas tecnologias e formas de produzir. Vem também das transformações pelas quais vão passando uma grande parte das empresas no mundo inteiro.

Esse é um grande desafio para as escolas brasileiras e para as agências de formação profissional. O ramo da educação como um todo tenderá crescer muito daqui para frente. Novas oportunidades de trabalho surgirão para quem se dedica às tarefas de reciclar, retreinar e reconverter profissionais - tanto em escolas tradicionais como em cursos avulsos.

Para confirmar isso, basta ver a explosão de treinamentos de curta duração que são oferecidos no mercado educacional informal que é constituído por uma miriade de cursinhos realizados à noite ou durante o dia com vistas a capacitar os jovens para chegar no nível de eficiência exigido pelos novos arranjos empresariais. Isso é um bom sinal. A multiplicação desses cursinhos deverá apertar a competição entre eles o que, dentro em breve, terá efeito positivo na qualidade do ensino.