Publicado no Jornal da Tarde, 20/03/2002.
Os empregos da Barbie
A Barbie completou 43 anos. O aniversário foi amplamente noticiado pela imprensa de todo o mundo. Apesar de quarentona, a boneca continua sensual. No seu rosto não há rugas e nem sinas de cansaço. Ela já fez a alegria de duas gerações. Minha filha mais velha nasceu junto com a Barbie, com quem brincou anos a fio. Agora, vê a minha neta brincando com a mesma boneca - com mais vestidos e mais equipamentos. Mas a Barbie em si continua elegante e faceira.
Nesses 43 anos, surgiram muitas concorrentes. Hoje, as vendas da Barbie são 30% menores do que nos anos 90. Apesar disso, a boneca desfruta de um mercado gigantesco. Os figurinistas produziram criações fascinantes para assegurar a sua atualidade. Com elas, as meninas passam a possuir muitas Barbies. São donas de casa, aeromoças, balconistas, secretárias e até pilotos de cápsulas espaciais.
A Barbie ainda gera uma receita anual direta de US$ 1,5 bilhão para a sua produtora (Mattel), sem contar o gigantesco mercado de colecionadores onde os aficionados chegam a pagar até US$ 10 mil por uma boneca de 40 anos!
A boneca, que nasceu nos Estados Unidos, foi globalizada - é fabricada em 40 países. No início, ela gerou empregos apenas para os americanos. Atualmente dá trabalho e a renda para centenas de milhares de chineses, taiwaneses, indianos, mexicanos e outras nacionalidades.
A indústria mundial de brinquedos fatura US$ 70 bilhões por ano e é uma boa fonte de empregos diretos e indiretos para trabalhadores de todas as qualificações. No Brasil os brinquedos geram cerca de R$ 900 milhões anuais. Comparado com outros países, o setor é pequeno. Mesmo assim são 7 mil postos de trabalho diretos (nas fábricas), 30 mil indiretos (nas oficinas terceirizadas) e mais de 60 mil remotos (na cadeia produtiva - plástico, pelúcia, tecidos, madeira e outros).
A produção do Brasil ficou atrofiada nos anos 90 devido à penetração de brinquedos muito baratos comprados e contrabandeados da Ásia. No período de 1995-96, as empresas brasileiras despediram 17 mil empregados diretos.
Mão-de-obra pesava e pesa no diferencial de custo e preço. No Brasil as despesas de contratação são da ordem de 103,46% sobre o salário; na Ásia, são 10% (em média), além dos salários serem muito mais baixos.
Com o disciplinamento das importações, o setor mudou. Em 1995, o Brasil produziu 100 milhões de brinquedos; em 2002, 203 milhões. Mesmo assim, as crianças brasileiras continuam pouco aquinhoadas. A metade não ganha nenhum brinquedo durante a infância. Dentre os que ganham, cada criança possui, em média, 7 brinquedos. Nos Estados Unidos 23; na União Européia, 26; e no Japão, 30.
Os brinquedos geram trabalhos muito interessantes. Uma parte é feita na fábrica. Outra parte é realizada em oficinas, muitas vezes, residenciais, e tocadas por mulheres. Em 2001, as costureiras brasileiras fizeram 250 milhões de vestidos de bonecas (!), enquanto que as empresas que fabricam roupas para mulheres fizeram 90 milhões de vestidos - cerca de terço do que foi consumido pelas bonecas. Esse é um novo conceito de brinquedo. A unidade básica (boneca ou boneco) se mantém por muito tempo. O que varia é o figurino. É com isso, a criança tem a sensação de possuir muitos brinquedos.
Na produção de brinquedos, há muito artesanato, para não dizer arte. Ainda não se inventou uma máquina para pentear o cabelo das bonecas ou ajustar o vestido no seu corpinho. Esse trabalho é manual e só dá certo quando é feito com graça, zelo e dedicação.
Os brinquedos brasileiros melhoraram de qualidade e diminuíram de preço. As empresas elevaram a sua produtividade. Em termos reais, os preços baixaram 38% entre 1995 e 2001.
Mas ainda há uma grande caminhada a vencer. No Brasil, o retrabalho ocorre em 3,2% da produção; na China, é apenas 0,8%. Naquele país o trabalhador do setor de brinquedo ganha US$ 30.00 por mês; trabalha 14 horas por dia; e seis dias por semana. Para o Brasil, é dificílimo competir com a China no mercado internacional, sem falar na enorme diferença dos juros.
Nesse campo, a flexibilidade é tão importante quanto o custo. Nos Estados Unidos, por exemplo, as fábricas trabalham apenas um semestre por ano, porque 75% da demanda ocorre entre julho e dezembro. No Brasil, a CLT obriga as empresas a contratar os empregados por 12 meses; a maioria fica ociosa metade do ano, o que gera um custo desnecessário.
Como se vê, a rigidez trabalhista do Brasil afeta até a Barbie e todo o mundo dos brinquedos. Isso precisa mudar para se elevar a competitividade das empresas e, com isso, suas vendas, lucros, investimentos e empregos futuros.
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