Publicado em O Estado de S. Paulo, 02/07/2002.
Migração de mão-de-obra
Nos últimos dez anos, muitos países desenvolvidos tomaram medidas para facilitar a entrada de profissionais qualificados com vistas a atenuar o problema da falta de mão-de-obra. Os Estados Unidos ampliaram em 200 mil as cotas anuais para estrangeiros de alta qualificação. A Inglaterra aceitou 125 mil imigrantes só no ano 2000. A França liberalizou a lei de imigração, registrando a entrada de 120 mil estrangeiros no mesmo ano. A Itália ampliou as cotas, tendo absorvido 83 mil imigrantes em 2001.
Além da falta de mão-de-obra, a população está envelhecendo tão depressa que em 2050 não haverá jovens para sustentar os idosos através dos recolhimentos ao sistema de seguridade social dos vários países da Europa. A população da Alemanha, por exemplo, cairá dos 82 milhões atuais para 60 milhões e a força de trabalho declinará de 41 milhões para 26 milhões naquele ano.
Entre 1995-2000, mais e mais países passaram a competir por talentos do exterior. A Irlanda planejava importar 200 mil profissionais no período de 2000-2005. A Alemanha iria para o mesmo caminho.
Depois do 11 de setembro de 2001, tudo isso mudou. Os americanos substituíram o Departamento de Imigração por dois outros órgãos que prometem ser muito mais duros com a entrada e estada de estrangeiros no país. Os ingleses fizeram o mesmo. A Alemanha suspendeu a busca de engenheiros da Índia. A França revê a sua política, inclusive pelo impacto da campanha antiimigratória de Jean-Marie Le Pen. Na Holanda, Pim Fortuyn, assassinado antes da eleição de 15 de maio de 2002, defendia abertamente uma política contra os estrangeiros. Na Itália Silvio Berlusconi relaciona o crime com a imigração. Na Dinamarca o tema ganha corpo a cada dia. A União Européia como bloco, por determinação da Cúpula de Sevilha, decidiu estender as restrições para todos os Estados Membros.
Endurecer a imigração e aumentar o rigor dos que já entraram nos países desenvolvidos são medidas difíceis de serem implementadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os trabalhos de limpeza, cuidados da criança, jardinagem e agricultura são feitos por cerca de oito milhões de mexicanos que ali estão irregularmente. Sem eles, a economia americana empacaria. No entanto, seu trabalho é ilegal. Como "ilegais" os mexicanos tendem a ser explorados porque sabem que é perigoso reclamar. Isso pode custar a sua deportação. O mesmo ocorrerá com os portugueses, espanhóis, árabes, africanos, sul-americanos e asiáticos ilegais da na União Européia. Mas o esforço de implementação será grande.
Daqui para frente, a política de imigração dos países citados mudará muito. Mas o terrorismo não é o único motivo. Os fatores econômicos são os principais. Os imigrantes dão muitos gastos à seguridade social e, além disso, remetem fortunas para seus países de origem.
O Brasil também começa a endurecer nesse campo. Segundo estimativas da Polícia Federal, há um milhão de estrangeiros vivendo no Brasil, a maioria ilegal. Para entrar legalmente os estrangeiros precisam provar que são profissionais qualificados, "sem similar nacional", e que têm, pelo menos, dois anos de experiência na área em que vão trabalhar.
Dentre os que entram legalmente, essas regras têm sido observadas. Nos últimos cinco anos entraram 27% de gerentes especializados; 16% de técnicos aqui inexistentes; 13% de diretores de empresas; 11% de músicos e outros artistas; 9% de engenheiros e arquitetos; 9% de pessoal de nível médio mas muito especializado; 6% de professores; 5% de oficiais de bordo; e 4% de economistas e contadores. A indústria de petróleo e de navios é que mais importa profissionais desse tipo. Só em 2001 foram quase oito mil, contra dois mil de 1998.
Justifica-se trazer estrangeiros para o Brasil onde há tanto brasileiro desempregado? Nesse campo, a questão da seletividade é essencial. Motivos há para barrar a mão-de-obra não qualificada. Mas a vinda de cientistas e técnicos aqui inexistentes é estratégica para o desenvolvimento de vários setores.
Ao impor essas regras o Brasil está se alinhando ao que estão fazendo as nações mais avançadas. Mas sobra um problema. O acoplamento do Mercosul à União Européia e a união dos países das Américas em torno da ALCA exigirão uma outra postura. Como manter políticas restritivas no campo da migração se o pressuposto fundamental desses blocos é o livre trânsito de pessoas?
|