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Publicado no Jornal da Tarde, 30/05/2001

Energia, eletro-intensivos e emprego

No meio das discussões sobre os critérios de corte de energia para atender às necessidades do racionamento, surgiu a idéia de se "apagar" as empresas dos setores industriais chamados "eletro-intensivos" (que usam muita energia elétrica) porque, além de gastarem muita eletricidade, geram poucos empregos. Esse é o caso das empresas de alumínio, aço, petroquímica, e outras.

É verdade que essas empresas usam muita tecnologia e possuem – em termos relativos – um pequeno número de empregos. Mas, a questão precisa ser analisada em função do que elas geram de empregos indiretos para trás (fornecedores) e para frente(usuários).

De fato, nos últimos 8 anos, a indústria de transformação do Brasil destruiu um grande número de postos de trabalho. Mas essa destruição de empregos foi acompanhada por enormes ganhos de produtividade (7% ao ano, em média), em especial nos setores eletro-intensivos.

Isso se transmitiu para os setores do comércio, serviços, agropecuária e setor financeiro. Por quê? É na indústria que se fazem os maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e onde surge o maior número de inovações. É a partir dela que o avanço tecnológico se irradia para toda a economia.

Por isso, o posto de trabalho em uma indústria modernizada tem um grande potencial para gerar postos de trabalho nos demais setores.

Os empregos industriais têm enormes efeitos multiplicadores no campo do trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, 100 postos de trabalho criados no setor siderúrgico geram 450 postos de trabalho no restante da economia (Thomas I. Palley, "Manufacturing Matters", Washington: AFL-CIO, 1999). Na petroquímica e no setor de bens de capital, os multiplicadores são ainda mais altos. No Brasil, os dados vão na mesma direção (Sheila Najberg e Solange P. Vieira, "Emprego e Crescimento Econômico: Uma Contradição?", Rio de Janeiro: BNDES, 1996).

No comércio, o efeito multiplicador é muito menor: 100 postos de trabalho em lojas de varejo (que gastam pouca energia) geram apenas 94 postos nos demais setores. No setor de serviços, geram 147 – nada comparável à proporção de 100 para 450 que se encontra no setor eletro-intensivo.

Por isso, essa idéia diabólica de fechar as empresas eletro-intensivas porque geram poucos empregos diretos, ocasionaria no Brasil um desastre de grandes proporções pois afetaria inúmeras cadeias produtivas, com devastadores impactos no campo do emprego em geral – sem falar na falta de produtos para sustentar outras atividades.

Se pensarmos bem, quase tudo o que se faz nos setores de comércio e serviços tem a ver com a indústria e, em especial, com a indústria de base que inclui as matérias primas e os semi-manufaturados. Os equipamentos, mobiliário e material de um restaurante vêm das fábricas; as instalações de um hospital são feitas nas indústrias; os meios de transporte são produtos industriais; a energia, os fertilizantes, as máquinas agrícolas, as mais variadas formas de lazer, a educação, a justiça, a comunicação – tudo, enfim, se baseia em produtos manufaturados.

Disso tudo se conclui pela necessidade de se relativizar o problema do alto consumo energético das empresas que estão nas cabeceiras das cadeias produtivas. O corte de 15% a 25% já determinado, constitui um sacrifício de grande monta. A compra de energia a preços exorbitantes no Mercado Atacadista de Energia é outra sangria. Tudo isso já terá efeitos predatórios no campo do emprego. Imaginem o que acontecerá se essas empresas vierem a fechar suas portas. Para quem tem noções elementares de mercado de trabalho, a idéia é, no mínimo, absurda.