Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/09/2002.
O desemprego e a guerra de números
Ao assistir os programas do horário político, os eleitores devem estar atônitos com a guerra de números sobre o desemprego. Lula, Ciro e Garotinho, com base nos dados do último censo demográfico, dizem existir entre 11,4 milhões e 11,7 milhões de desempregados no Brasil - cerca de 15% da população economicamente ativa.
Serra evita as cifras, mas o Presidente Fernando Henrique Cardoso usou a atual taxa de desemprego metropolitano - 7,5% - para estimar o total de desempregados no país, chegando a, no máximo, 6 milhões de pessoas.
Apesar de tamanha divergência, esses números são gerados pela mesma instituição - o IBGE. Como explicar?
As taxas de desemprego são obtidas através da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) que cobre seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), onde, todos os meses, o IBGE entrevista pessoas (de 15 anos e mais) para saber o que fizeram nos 7 e nos 30 dias anteriores à entrevista. A taxa de desemprego mais divulgada (e usada para comparações internacionais), é a que se refere aos 7 dias que, em julho de 2002, foi de 7,5%. Para 30 dias, foi de 8,2%.
Seguindo recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a PME define como desempregadas as pessoas que, estando sem fazer nada nos 7 ou 30 dias anteriores, buscaram trabalho e não encontraram.
Dentre as pesquisas do IBGE, a PME é o levantamento mais rigoroso para medir o desemprego. Mas a instituição estuda a questão do trabalho em outras pesquisas. Uma delas é o censo.
Todavia, entre a PME e o censo há uma enorme distância. Além da diferença amostral (a PME é metropolitana e o censo é nacional), há importantes distinções conceituais. No último censo, os entrevistadores perguntaram para as pessoas (de 10 anos e mais) o que fizeram na última semana de julho de 2000 e, para as que não trabalharam, se tomaram providências para procurar trabalho ao longo daquele mês (julho) - e não como faz a PME que estuda o ocorrido os 7 ou 30 dias imediatamente anteriores. Devido ao efeito memória, as respostas dadas pelos entrevistados aos recenseadores em agosto devem ser mais fidedignas do que os que responderam em outubro ou novembro. Mas há diferenças mais profundas.
O censo-2000 revelou que o número de pessoas ocupadas foi de aproximadamente 64,7 milhões e o da população economicamente ativa (PEA) de 76,1 milhões. Ao subtrair o primeiro do segundo, surgiram os alardeados 11,4 milhões de desocupados, ou cerca de 15% da PEA.
Em vista das grandes diferenças das definições entre o censo-2000 e a PME, essa não pode ser considerada como taxa de desemprego. Para os que, incorretamente, o fazem, (levando em conta o período de 30 dias), pergunta-se: como explicar que a proporção dos desocupados do censo-2000 (15%) foi mais do dobro da proporção encontrada nas grandes metrópoles no segundo semestre daquele ano (7,2%), se as pesquisas mostram, por exemplo, que houve muito mais indústrias que migraram das metrópoles para o interior do que vice versa?
Essa e outras inconsistências surpreenderam vários pesquisadores. Ao compararem os resultados do censo-2000 com os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1999, que também tem abrangência nacional, surgiram contradições mais desconcertantes.
Em relação à PNAD-1999, a PEA do censo-2000 encolheu cerca de 3 milhões; os ocupados diminuíram em 7 milhões; os desocupados aumentaram em quase 4 milhões. Poderiam esses "choques demográficos" ocorrer em apenas 12 meses? Não. É um período muito curto para tamanha revolução. Além do mais, houve muita mudança nas proporções das ocupações, o que também não acontece de um ano para outro.
Os desencontros entre o censo-2000, a PNAD-1999 e a PME-2000, desaconselham o cálculo de taxas de desemprego com base nos dados censitários e desautorizam os 11,4 milhões ou 11,7 milhões de desempregados. Na pior das hipóteses, o Brasil deve ter chegado aos 6 milhões de desempregados.
Isso em nada diminui a gravidade do desemprego. Mas, para o eleitor convém saber qual é o conceito usado pelos candidatos. Os que partem dos 11,4 milhões ou 11,7 milhões, se eleitos, terão de resolver o problema desse colossal estoque de desempregados e de mais 6 milhões de jovens que adentrarão no mercado de trabalho durante o seu mandato - no mínimo. Sua meta terá de ser de 18 milhões de empregos. Qual é o programa que garante tamanha façanha?
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