Publicado no Jornal da Tarde, 04/04/2001
Blecaute e desemprego
Tenho visto na imprensa muitas especulações sobre o impacto dos apagões sobre o nível de emprego. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas, amplamente divulgado na semana passada, estima que um corte de 20% na energia provoca uma queda de 1,5% no PIB e a não-criação de 850 mil empregos.
O cálculo me parece correto. Mas o estudo e refere aos empregos que deixarão de ser criados mas não se refere ao que serão destruídos.
O quadro me parece bem mais grave do que o desenhado. Conversei neste fim de semana com um amigo que dirige uma grande fábrica de autopeças e que têm dez fornos que funcionam continuamente, à 900 graus centígrados, e para os quais não dispõe de geradores em caso de blecaute.
A sua situação é desesperadora. Um forno desses não pode parar mais do que uma hora, sob pena de ser destruído. Por outro lado, mesmo que quisesse e pudesse comprar, não há no mercado geradores desse porte. O que fazer?
É claro, que esse empresário terá de desativar, com a devida técnica, uma grande parte dos seus fornos, e reduzir sua produção pela metade – ou menos – e despedir 50% da sua força de trabalho. Um grande desastre social.
Mas o desastre não pára aí. Se ele não produzir as peças, as montadoras não poderão fabricar os automóveis – o que provocará desemprego entre os trabalhadores ali engajados. Mas, digamos que elas decidam importar as peças. Nesse caso, o meu amigo correrá o risco de fechar a fábrica a destruir todos os postos de trabalho ali existentes.
O desdobramento da crise energética é tão complexo que fica impossível, a esta altura, estimar todos os seus estragos. Ademais, quando cai produção e emprego, cai também as receitas do Estado e a manutenção dos programas sociais. Os desastres vão se desdobrando em cadeias de destruição.
Os impactos indiretos da crise energética são muito superiores aos impactos diretos – os mais visíveis. A indústria, sem dúvida, será a mais afetada. Afinal, esse setor consome 40% da energia do País. Mas, os setores setonômicos estão todos interligados.
Como e sabe, o comércio e serviços absorvem mais de 60% da força de trabalho nos dias atuais. Teoricamente, esses setores consomem menos energia. Mas ao faltar produtos industriais, isso afetará em cheio o comércio e os serviços, e portanto os empregos ali existentes.
A redução da oferta poderá ter um afeito inflacionário que, por sua vez, desorganiza toda a produção que, a duras penas voltou ao caminho da racionalidade depois do Plano Real. A falta de insumos e equipamentos no mercado interno levará as empresas a importar o mais possível, o que deve pressionar o dólar e, por consequência, a própria inflação.
Oxalá nada disso se confirme e que o Brasil venha a superar mais essa crise com expedientes de compensação. Mas, convenhamos, logo agora que a economia estava deslanchando vem o governo para anunciar que o Brasil precisa parar.
Há muito tempo, quando o Antonio Rogério Magri, que era Presidente do Sindicato dos Eletricitários queria pressionar as empresas por melhores salários, costumava dizer: "Ou vocês cedam, ou eu apago Brasil". Nunca acreditei que alguém fosse capaz de apagar o Brasil. Pois o governo foi.
A falta de energia elétrica tem impactos sociais muito maiores do que a falta de petróleo. Os graus e liberdade para se enfrentar uma escassez de gasolina e óleo diesel são muito maiores do que no caso da eletricidade. O Brasil já passou por isso, inventou o Pro-alcool que deu resultados muito rápidos e acabou superando os problemas da época. No caso da energia elétrica tudo é mais difícil. Vamos precisar de muita criatividade para superar a miopia dos nossos governantes.
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