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Publicado no Jornal da Tarde, 30/04/2003.

O vôo dos empregos

É triste ter de informar os leitores, na véspera de um 1º de maio, que o Brasil corre o risco de perder muitos postos de trabalho com a aceleração da internacionalização da terceirização. Tomara fosse o inverso. Mas, nessa corrida, os países ricos estão procurando passar trabalho para países que, apesar de serem subdesenvolvidos, conseguiram formar um nicho de mão-de-obra qualificada que é de grande importância para as novas formas de produzir e vender.

Em Bangalore (Índia), 30 contabilistas fazem análise de empréstimos que são concedidos por empresas americanos como, por exemplo, a Greenpoint Mortgage of Novato, California; 5 radiologistas interpretam 50 testes de ressonância magnética que são realizados diariamente no hospital do Massachussets General Hospital, Massachussets (USA). Ao norte de Nova Deli, 2.500 jovens trabalham em 3 turnos para processar as reclamações e pedidos de indenização de uma das maiores seguradoras americanas.

Esse é vôo dos empregos. Eles mudam de país, sem que a empresa mude. É a migração do trabalho e o estacionamento do capital.

Em Manila, Shangai, Budapest e San José (Costa Rica) funcionam centenas de escritórios das maiores empresas e dos bancos da Europa, Estados Unidos e Japão. Os empresários da França têm mandado os serviços para serem feitos nas Ilhas Mauricios. A Alemanha e a Rússia usam os trabalhadores dos países da Europa Oriental.

O mundo está assistindo ao mais revolucionário processo de terceirização. Segundo a previsão de estudiosos do assunto, até 2015, os Estados Unidos terão exportado 3,3 milhões de empregos, pagando no exterior cerca de US$ 316 bilhões, em substituição a um trabalho que poderia ser realizado no próprio país mas a um custo de aproximadamente US$ 800 bilhões! (John C. McCarthy da Forrester Research Inc, in Business Week, 03/02/2003).

Tudo indica que, nos países de origem, ficarão apenas as atividades estratégicas e as que envolvem muita segurança, assim como as que dependem de intenso contato humano.

É a globalização da oferta de trabalho - uma grande guinada em relação aos tempos passados. Na década de 70, exportavam-se bens e serviços. Na de 80, exportavam-se empresas. Na de 90, importavam-se cérebros. Hoje, exportam-se os empregos.

Beneficiam-se desse processo os países que têm boa educação, profissionais bem treinados, leis trabalhistas flexíveis e salários mais baixos. É a união do aumento da produtividade com redução de custos. Imbatível!

A Índia, por exemplo, apesar de seu relativo atraso, vem crescendo a passos largos há vários anos. Perguntado sobre a razão de atrair tanto trabalho especializado, um ministro indiano, no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2003, respondeu: nosso avanço está baseado em três "es": education, engineering e english.

O Brasil tem exportado commodities, bens e serviços, empresas e cérebros. Mas em matéria de postos de trabalho, tem se beneficiado muito pouco daqueles que poderiam realizar aqui o que é realizado lá fora. O país não tem vantagens comparativas para participar desse jogo. A nossa força de trabalho possui apenas 4,5 anos de escola - e má escola. O número de profissionais bem treinados é pequeno. O cipoal das leis trabalhistas é indecifrável para a maioria dos países. As despesas indiretas para contratar são altíssimas (103,46% sobre os salários). A incidência de conflitos é gigantesca (2,5 milhões de ações na Justiça do Trabalho).

Tudo isso espanta os que poderiam contratar mão-de-obra dentro do Brasil, valendo-se das tecnologias que permitem o trabalho à distância.

Entre nós, o movimento está se dando na mesma direção do registrado acima. Muitas empresas brasileiras já contratam serviços que podem ser feitos por profissionais da Índia, Filipinas, China, Taiwan, Cingapura e países da Europa Central. Esse é o caso de escritórios de engenharia que fazem cálculos de estrutura com engenheiros da Índia (que ganham US$ 400 por mês); dos "call centers" que usam serviços de informática na Irlanda; e dos calçadistas que contratam serviços de acabamento na China.

Pouco adianta querer lutar contra essa terceirização que se internacionaliza. O que resolve é acelerar e melhorar os investimentos em educação para que o Brasil também possa participar do movo mundo em que o trabalho foi globalizado. E, ao lado disso, simplificar nossas leis e reduzir os conflitos trabalhistas.