Publicado em O Estado de S. Paulo, 21/11/00
O significado do desemprego industrial
Entre 1995 e 1999 a indústria de transformação do Brasil destruiu cerca de 900 mil postos de trabalho que eram ocupados por empregados com registro em carteira (CAGED, Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego).
Nesse período - afetado por crises econômicas, abertura da economia e ganhos de produtividade - o encolhimento do emprego industrial foi quase três vezes maior (16%) do que a redução do emprego total (6%).
Essa destruição maciça de empregos pode ser interpretada como um desastre de grandes proporções?
A "evaporação" de 900 mil empregos industriais em apenas quatro anos representa uma grave perda. Mas essa perda é menor do que aparenta ser.
O setor industrial foi o que mais ganhou em produtividade no período considerado - 7% ao ano. Isso se transmitiu para todos os setores. De fato, a modernização da indústria teve impactos positivos no comércio, serviços, agropecuária e setor financeiro.
Isso é assim em todo o mundo. É na indústria que se fazem os maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e onde surge o maior número de inovações. É a partir dela que o avanço tecnológico se irradia para toda a economia.
Por isso, o posto de trabalho que remanesce numa indústria modernizada tem um grande potencial para gerar postos de trabalho nos demais setores. Em outras palavras, os empregos industriais têm efeitos multiplicadores de colossal expressão no campo do emprego. Nos Estados Unidos, por exemplo, 100 postos de trabalho criados no setor siderúrgico geram 450 postos de trabalho no restante da economia (Thomas I. Palley, "Manufacturing Matters", Washington: AFL-CIO, 1999). No Brasil, os dados vão na mesma direção (Sheila Najberg e Solange P. Vieira, "Emprego e Crescimento Econômico: Uma Contradição?", Rio de Janeiro: BNDES, 1996).
Isso pode ser melhor entendido quando se avalia o efeito multiplicador do setor do comércio onde, por exemplo, 100 postos de trabalho em lojas de varejo geram apenas 94 postos nos demais setores. No setor de serviços, a relação é de 100 para 147 - nada comparável à proporção de 100 para 450 que se encontra na indústria.
Por isso, na medida em que a destruição dos 900 postos de trabalho da indústria foi acompanhada de modernização e avanços no terreno da produtividade, estamos longe de um desastre pois, dessa maneira, que o setor alavancou a economia, viabilizou inúmeras atividades, criou demanda e aumentou o seu potencial de geração de empregos indiretos.
Se pensarmos bem, quase tudo o que se monta nos setores de comércio e serviços tem a ver com a indústria. Os equipamentos, mobiliário e material de um restaurante vêm das fábricas; as instalações de um hospital são feitas nas indústrias; os meios de transporte são produtos industriais; a energia, os fertilizantes, as máquinas agrícolas, as mais variadas formas de lazer, a educação, a justiça, a comunicação - tudo, enfim, se baseia em produtos manufaturados.
O catastrofismo mencionado fica ainda mais desmistificado quando se leva em conta que a indústria brasileira, durante décadas, carregou nos seus quadros profissionais que sempre foram típicos dos serviços (cozinheiros, garçons, entregadores, seguranças, costureiros de uniformes, etc.). A sua passagem para fora do setor industrial significou uma mera migração de um posto de trabalho espúrio no local de origem e ajustado no local de destino.
No ano 2000, quando se espera um crescimento do emprego industrial da ordem de 1,5%, tem-se pela frente um quadro bem diferente do que o do passado. Esses empregos se referem a profissões e atividades tipicamente industriais pois, as que tratam de comércio, serviços e finanças já foram deslocadas para os respetivos setores, e vêm sendo usadas de forma terceirizada ou subcontrada.
Disso tudo se conclui pela necessidade de se relativizar a forte queda do emprego industrial porque passou o Brasil nos últimos anos. Houve muita perda direta para quem perdeu seu emprego em uma fábrica de renome, sem dúvida. Mas, houve também muitos ganhos indiretos quando se considera a extensa realocação setorial dos postos de trabalho e o aumento da capacidade geradora de emprego dos que remanesceram em uma indústria mais produtiva.
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