Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/03/2003.
O programa do primeiro emprego
O Ministério do Trabalho se prepara para lançar um programa de estímulo a empregos de jovens. A literatura tem muitas informações sobre o que dá certo e o que não dá certo nesse campo.
Os programas de emprego podem ser de dois tipos básicos: os que cuidam da oferta e os que estimulam a demanda. No primeiro, incluem-se atividades de formação, treinamento, retreinamento, reciclagem e reconversão de profissionais, com vistas a mudar o comportamento dos trabalhadores, tornando-os mais capazes. No segundo estão os estímulos que levam as empresas a contratar mais trabalhadores, mudando o comportamento dos empresários.
São tipos complementares. Os do lado da oferta têm mais sucesso quando a urgência é preparar trabalhadores para vagas existentes. Os do lado da demanda têm mais êxito quando a tarefa é criar postos de trabalho.
Pelo noticiário da imprensa, o programa do Ministério do Trabalho contemplará as duas dimensões. Do lado da demanda, concederá um subsídio no valor de R$ 200,00 (fixo) para a empresa que contratar um jovem de 16 a 24 anos. Terão preferência os que estão expostos aos riscos sociais (droga, crime, prostituição, mendicância, etc.) sob o argumento que os gastos com os subsídios são menores do que os gastos com a reparação dos danos sociais.
O que dizer dessa estratégia? As pesquisas mostram que, de um modo geral, ela dá certo. Para um trabalhador que ganha R$ 200,00 por mês, um subsídio de R$ 200,00 significa a cobertura de praticamente 100% das despesas de contratação (hoje, 103,46% do salário). É um bom estímulo aos empresários que precisam de mais trabalhadores e não têm condições de arcar com os custos. No caso de salários mais altos, o valor relativo do subsídio de R$ 200,00 será cadente. Os empresários contratarão até o ponto em que a estimulação compensar.
Os países avançados usam os programas de emprego com ênfase variada. Na União Européia, onde a criação de postos de trabalho nos últimos 20 anos foi anêmica (com raras exceções), a ênfase ficou nos programas de demanda. Nos Estados Unidos, onde a criação de emprego foi abundante, a ênfase ficou nos programas de oferta.
Na segunda metade da década de 90, a Alemanha gastou 0,55% do PIB anualmente com programas de demanda; a França, 0,81%; a Suécia, 1,07%; e os Estados Unidos apenas 0,01%. Os programas da Alemanha, cobriram 2,4% da força de trabalho; os da França, 6,9%; os da Suécia, 6,5%; e os dos Estados Unidos, apenas 0,2% (Timoty J. Bartik, Jobs for the poor, New York: Russel Sage Foundation, 2001).
Mesmo nos casos de maior dispêndio, os programas de demanda têm âmbito limitado. Eles são caros. Os subsídios têm de ser suficientemente atraentes para os empresários mudarem de comportamento. Uma boa parte dos postos de trabalho criados poderiam surgir sem subsídios. Os empresários resistem em contratar os que têm menos qualificação, os mais pobres e os discriminados (efeito estigma). Eles calculam as despesas de contratação, o valor do subsídio e a produtividade dos empregados e usam as mais variadas estratégias para substituir empregados de modo compensador nessas três variáveis. Ademais, eles tendem a investir pouco no treinamento dos empregados subsidiados por saberem que o subsídio termina logo. Há ainda os que usam o programa sazonalmente.
Tais desvios de conduta não anulam o valor da estimulação da demanda. Mas exigem um bom controle para evitar os desvios de conduta. Por exemplo, os resultados são mais promissores quando os programas têm foco local. Isso que requer uma articulação azeitada entre a União e os municípios. O envolvimento do governo em tais programas é grande. Do ponto de vista administrativo eles são bem mais complexos do que, por exemplo, criar empregos públicos, de forma direta, em frentes de trabalho.
No caso brasileiro há uma peculiaridade adicional. Ao lado da falta de vagas, o país tem uma brutal informalidade - 60% dos brasileiros que trabalham. Embora o programa busque a criação de novas vagas, um dos seus efeitos será o de formalizar uma parte dos empregos informais existentes. Isso é bom mas, é claro, em nada contribui para o aumento do emprego geral.
Os comentários acima não devem desanimar os responsáveis pelos programas de estimulação da demanda. Ao contrário, são alertas para que, bem monitorados, eles possam gerar bons resultados, especialmente, quando complementados por programas de oferta que melhoram a empregabilidade. Convém examinar essas exigências agora para não se lançar um programa que crie esperança hoje e frustração amanhã.
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