Publicado no Jornal da Tarde, 16/04/2003.
O hamburger e os empregos
Será que a era do hamburger está no fim? Parece que não. Mas as pesquisas recentes mostram que ele está em franca decadência. O bombardeio contra ele é contínuo.
Nos Estados Unidos, o número de adolescentes obesos dobrou nos últimos 20 anos. Em 2012, se nada mudar, 70% dos americanos serão obesos. No Brasil é parecido.
O que mais floresce no momento é a indústria de ações contra as lanchonetes americanas que vendem gorduras enfeitadas com alface e tomates, em especial, o McDonald’s. Os reclamantes alegam ter contraído doenças coronarianas (e outras) devido à má qualidade daquele alimento.
Nas escolas dos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália os hamburgers foram substituídos por refeições menos gordurosas, subsidiadas por programas oficiais com vistas a criar hábitos de uma alimentação mais saudável. Só o programa federal americano sobre a merenda escolar distribui US$ 10 bilhões para que as escolas difundam entre seus alunos, refeições abundantes em frutas e grãos.
O MacDonald’s já fez de tudo para reverter a sua posição: baixou preços, criou novos produtos, remodelou lojas, etc. Nada deu certo. Para piorar, a empresa virou um símbolo mundial do americanismo, sob franco ataque.
Conseqüência? Nos últimos cinco anos, as vendas mundiais do McDonalds estão caindo 2% ao ano. As ações da empresa perderam mais de 50% do seu valor. O crescimento do número de suas filiais caiu 40% em 2002. Muitas lojas fecharam. No Japão, foram 176 das 2.800 existentes. Poucos estão dispostos a pagar franquias caríssimas para amargar prejuízos.
Essa derrocada está sendo muito rápida. Afinal, trata-se de um império que, em 40 anos, plantou suas colunas em mais de 100 países, criando uma rede de 30 mil lojas.
Considerando que essa rede gera um milhão de postos de trabalho diretos e indiretos, a desmoralização do hamburger pode devastar empregos. O que será do futuro?
Ao que tudo indica, as pessoas que se afastam do hamburger tem vários motivos, além do alimentar. Tudo indica que elas se cansaram da monotonia daquela refeição. Aliás, esse foi sempre um paradoxo para os quais os pesquisadores nunca tiveram uma resposta convincente. Como explicar que os americanos, que são tão individualistas, abraçaram uma alimentação tão padronizada?
O paradoxo está se desvendando porque a realidade está mudando, não só no setor de alimentação. Para ampliar mercado, a Nike, por exemplo, foi forçada a vender muitos de seus tênis sem a sua famosa marca. As lojas GAP vendem roupas sem sua tradicional etiqueta.
No caso dos sanduíches, as pesquisas indicam. Igualmente, um deslocamento das preferências, que passam dos sanduíches padronizados para sanduíches personalizados. Daí o sucesso das lanchonetes que dão ao cliente a liberdade de montar o sanduíche com os ingredientes que desejam. Esse é o caso das lanchonetes tipo "delicatessen" ou até mesmo dos restaurantes que servem comida pronta e a quilo - o que também ocorre no Brasil e outros países.
Nos Estados Unidos, a proliferação dessas lojas superou, em muito, a decadência das que ficaram estacionadas com a oferta padrão. Com isso, os empregos também se deslocaram de um lado para o outro.
Ma a identificação desse deslocamento é difícil porque nas empresas de refeições padronizadas, há uma grande cadeia produtiva visível, integrada e preparada para entregar no balcão um Big-Mac absolutamente igual aos que são servidos no resto do mundo.
No mercado de refeições personalizadas e na alimentação diversificada das escolas, os empregos envolvidos são dispersos, entram em vários setores da economia, e se localizam até mesmo em países distintos como é o caso do cliente que decide montar um sanduíche com queijo suíço, salame alemão, aliche portuguesa, azeitonas chilenas e pão italiano - um sanduíche globalizado.
Em outras palavras, o declínio da era do hamburger não pode ser visto como uma catástrofe para os empregos. Estes tenderão a se diversificar em conteúdo e dispersar em geografia. Oxalá isso venha a ser feito como um subproduto de um processo de precioso valor: a melhoria da qualidade da alimentação humana, a redução de doenças e o fim da indústria das batalhas judiciais.
|