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Publicado em Jornal da Tarde, 08/09/1999

Pirataria de mão-de-obra

O Estado de S. Paulo de 05/09/99 deu notícias de que a Petrobrás começa a perder os seus melhores talentos para as concorrentes estrangeiras, em especial, a Shell, British Petroleum, Amoco e a Agip, instaladas no Brasil.

Para muitos pode ser surpreendente que isso aconteça logo com a Petrobrás - uma empresa líder em administração e capacitação de pessoal.

Mas, com o fim do monopólio do petróleo, o leilão começou, e a Petrobrás não está tendo condições de dar os melhores lances para manter em seus quadros os técnicos e engenheiros que levou anos para formar. As diferenças salariais são enormes. As empresas estrangeiras chegam a oferecer salários e condições de trabalho imbatíveis.

Seria este um fenômeno isolado? Parece que não. As pesquisas mais antigas costumavam mostrar que as empresas estrangeiras, quando entram em um país novo, fazem tudo para manter os salários nos níveis domésticos.

Mas, os estudos mais recentes mostram um outro quadro. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de uma pesquisa concluída em 1998, indicam que a maior parte das fusões e aquisições que envolvem empresas estrangeiras se dá nos setores intensivos em capital (James Peoples e Ali Kekmat, "The Effect of Foreign Acquisition Activity on US Union Wage Premiums", International Journal of Manpower, Vol. 19, no. 8, 1998).

A principal característica desses setores é o seu grande dinamismo tecnológico. Os profissionais das siderúr-gicas, energia, telecomunicações, automóveis, químicas e petroquímicas precisam ser altamente qualificados para co-nhecer o que existe e manter-se atualizado.

Nem sempre essa mão-de-obra pode ser importada ou preparada localmente. É fácil trazer meia dúzia de diretores para a alta administração, mas é impossível importar ou treinar grandes grupos de profissionais especializados que, aliás, estão em falta em todo o mundo.

Por isso, a "pirataria" avança. Muitas vezes as empresas recém-chegadas não têm tempo para treinar esses profissionais. Ademais, as tecnologias mudam tão depressa, que é arriscado treinar alguém em métodos específicos, que pode ficar obsoleto em poucos anos.

As novas empresas buscam profissionais prontos, e, sobretudo, com boa formação geral - o que é fundamental para acompanhar e absorver os avanços tecnológicos. É exatamente o que está acontecendo com a Petrobrás e deverá acontecer com a maioria das boas empresas brasileiras que, durante anos, investiram pesadamente na formação e aperfeiçoamento de seus quadros.

A IBM e a Xerox quando foram para a China preferiram sair numa bem-sucedida missão de pilhagem de mão-de-obra por todo o sudeste asiático. Isso foi mais fácil, mais rápido e mais barato do que implantar complexos programas de treinamento.

A pirataria de mão-de-obra está mais generalizada do que se pensa. As grandes empresas estrangeiras fazem seus cálculos na ponta do lápis. Elas sabem muito bem que para formar um engenheiro em nível de pós graduação, durante quatro anos, nas boas escolas do mundo, custa, em média, US$ 400 mil.

Ao adicionar o valor da experiência de um engenheiro que tem mais de dez anos de janela, numa empresa de ponta como a Petrobrás, torna-se até barato oferecer a ele um salário mensal de R$ 10 mil, o equivalente a US$ 5 mil, quando a Petrobrás, a duras penas, pode chegar a, no máximo, R$ 3 mil.

O Brasil deverá assistir a uma onda crescente de estratégias desse tipo. Entre nós, a entrada de capitais estrangeiros tem seguido a tendência mundial, com uma grande concentração em empresas de alta tecnologia, e que requerem pessoal qualificado.

Será um tempo duro para as empresas, e muito promissor para os profissionais talentosos.