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Publicado no Jornal da Tarde, 26/07/00

O trabalho na China

Foi minha primeira viagem. Nunca tinha estado na China. Fiquei impressionado com o ritmo de desenvolvimento daquele gigante, outrora adormecido. Nove porcento anuais nos últimos 20 anos. Prédios de 80 andares; estradas com doze pistas; shopping centers modernos; população saudável; educação generalizada; e, sobretudo, a simpatia de um povo que, depois de amargar séculos de sofrimento, vê agora um futuro rosado.

O meu interesse principal era o trabalho. Queria saber o que estava ocorrendo por lá? Fala-se muito em exploração de crianças, prisioneiros e escravos. O que estaria acontecendo de fato? E os direitos dos trabalhadores? E as instituições do trabalho?

A força de trabalho da China é de 700 milhões: 500 milhões na zona rural e 200 milhões na urbana. A cada ano, entram no mercado de trabalho, 6 milhões de chineses.

Apesar da economia crescer muito, o desemprego na China é grave. Oficialmente, 3%; na realidade, quase 20%: 35 milhões de pessoas. É um dos mais sérios problemas nos dias atuais. O país precisa crescer ainda mais, em especial, na região oeste que congrega 2/3 do seu território.

Mas as instituições trabalhistas estão sendo modernizadas. Nos tempos de Mao Tsetung, tudo era determinado de cima para baixo. Havia quotas de emprego e regras rígidas de migração. Vigorava a remuneração em 8 níveis para os trabalhadores manuais; 15 níveis para os técnicos; e 25 para os profissionais ligados ao Partido Comunista.

As regras começaram a ser reformadas em 1992. Uma nova lei trabalhista foi aprovada em 1994, criando formas flexíveis de contratação e remuneração à critério das empresas estatais. O valor da hora extra foi fixado em 150%. O trabalho de menores de 16 anos foi criminalmente proibido. Continuou com o Estado a responsabilidade de bancar as férias, licença maternidade, doenças, acidentes e treinamento. A lei instituiu um sistema de negociação coletiva, embora não tenha garantido o direito de greve (Ying Zhu e Iain Campbell, Economic Reform and Labor Regulation in China, in Labour and Industry, 1996).

Nas empresas urbanas foi criado o direito à demissão. As quotas e alocação governamental do trabalho foram substituídas pelo livre recrutamento. A remuneração começou a levar em conta a produtividade.

A maior parte das regras vale apenas para as cidades. Foi uma revolução! O sistema mais centralizado do mundo está sendo gradualmente desmontado, passando a autonomia às empresas e aos trabalhadores o que antes era decidido pela lei e pelo Partido Comunista.

Os direitos e obrigações começam a ser definidos nos contratos de trabalho. A negociação engatinha. A Federação dos Sindicatos Chineses, que tem 105 milhões de filiados e sempre operou como correia de transmissão do Partido Comunista, dá sinais de mudança. Ela está sendo solicitada a fiscalizar as negociações e as novas instituições do trabalho como, por exemplo, o seguro desemprego que é financiado por 1% da folha salarial, com um benefício que varia entre 50% e 70% do salário-base.

Em termos práticos, os salários reais dos trabalhadores urbanos dobraram entre 1990-99. Os benefícios também melhoraram, em especial, nas empresas estrangeiras. Na sua maioria, elas concedem uma aposentadoria complementar que lhes custa 25% dos salários dos trabalhadores. A previdência pública é nova e restrita às zonas urbanas.

A China continua com proteções incipientes. Mas, o país caminha na direção de formar um mercado de trabalho moderno, com sua própria dinâmica. Vale a pena acompanhar a evolução do novo trabalhismo na China, em especial agora que o país se prepara para entrar na OMC.