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Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/09/2003.

Desemprego e desalento

Na divulgação dos dados sobre desemprego, volta e meia os institutos de pesquisa se referem às pessoas que desanimam de procurar emprego depois de tantos meses de insucesso. É o chamado desemprego por desalento.

Quando isso ocorre, o número dos que buscam emprego diminui. Mas as taxas de desemprego podem diminuir, aumentar ou estabilizar. Quando a oferta de emprego é farta, o desemprego diminui em função do aumento de vagas e redução de pretendentes. Quando é escassa, o desemprego aumenta. Quando os dois fenômenos ocorrem na mesma proporção, o desemprego fica estável.

No caso da Região da Grande São Paulo, os dados de Julho de 2003, indicam que cerca de 10% dos desempregados foram classificados como desalentados. Será que isso reflete bem a realidade? Penso que não.

No Brasil, a "taxa de atividade" - proporção de pessoas que trabalham ou procuram emprego em relação à população economicamente ativa está diminuindo há tempos. Em 1991, era de 61%; em 2002, foi de 57%. Essa redução de quatro pontos percentuais significou uma diminuição de mais de cinco milhões de pessoas que deveriam estar procurando emprego e não estavam.

É claro que, para muitos, há razão de sobra quando desistem de procurar emprego depois de 12 ou 15 meses de fracasso. Mas há outras razões para não procurar emprego. Uma delas se refere às pessoas que deixam de trabalhar ou retardam o início da carreira porque decidem estudar.

Esse motivo não é desprezível no Brasil. Entre 1991-2001, a oferta de vagas nas escolas ampliou-se de modo expressivo. O atendimento escolar dos menores entre 7-14 anos, passou de 89% para 97%; na faixa de 15-17 anos, saltou de 62% para 84%. De 2001 para cá essa oferta aumentou ainda mais.

É importante notar que essas oportunidades aumentaram para todas as faixas de renda da população. Para os 20% mais pobres de 7-14 anos, a freqüência passou de 75% para 93%; para os adolescentes pobres de 15-17 anos, o salto foi de 48% para 71%. No ensino superior, as matrículas nos cursos de graduação aumentarem 67%. Nos cursos de mestrado, o aumento foi de 60%; e no doutorado mais de 90% (Fatos sobre a Educação no Brasil, Brasília, MEC, 2001).

Ou seja, não se pode subestimar o fato de que as maiores oportunidades de estudo reduziram a demanda por trabalho nos últimos anos. É verdade que o Brasil tem muitos trabalhadores-estudantes, mas não há razão para exagerar esse fenômeno. Ao contrário, a proporção dos que só estudam subiu muito mais do que a dos estudantes-trabalhadores. Para a faixa de 15-17, a proporção dos que só estudam passou de 38% em 1991 para 57% em 2000. Para os que trabalham e estudam passou de 20% para 23%.

No caso dos jovens de 18-19 anos, a proporção dos que só estudam passou de 19% para 30% e, para os que trabalham e estudam foi de 16% para 22%. Na faixa de 20-24 anos, as proporções saltaram, respectivamente, de 6% para 11% (só estudam) e de 10% para 15% (estudam e trabalham) (Indicadores Sociais, Rio de Janeiro, IBGE, 2000).

Apesar do Brasil ser um país de trabalho precoce onde uma parte dos jovens pára de estudar para começar a trabalhar e outra continua trabalhando e estudando, a parcela dos que só estudam vem aumentando de forma acelerada para todas as faixas de idade e de renda. É impressionante a expansão de escolas noturnas em todas as cidades do Brasil. Cerca de 56% dos universitários estudam nessas escolas.

Além do ensino regular, os brasileiros vêem freqüentando inúmeros cursos de profissionalização (cerca de três milhões de estudantes) e treinamentos rápidos nas mais diferentes áreas: informática, projetos, serviços pessoais, atividades para-médicas, atendimento de idosos e crianças, ginástica e atletismo, e vários outros.

Para essas pessoas, a procura por educação explica em parte o desinteresse pelo emprego. Não se trata de uma multidão de desalentados, mas sim de uma população que decidiu dar prioridade aos estudos.

Isso não reduz a gravidade do problema do desemprego e da informalidade no Brasil, é claro. Essa lado do problema é grave e preocupante, pois afinal, não há uma família que não tenha um membro desempregado ou trabalhando na informalidade. Mas o retardamento do trabalho por motivos educacionais mostra um lado pouco conhecido e a esperança de que o país vem proporcionando mais oportunidades para as pessoas investirem em si mesmo. Podemos esperar uma força de trabalho melhor e uma cidadania mais amadurecida nos próximos 15 ou 20 anos.