Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/09/2003.
A migração dos empregos
Ninguém tem sossego no campo do emprego. Até pouco tempo os países da Europa do leste, estavam se fartando com a chegada de empresas que ali encontravam trabalhadores bem educados, de alta produtividade e baixos salários. Países como a Hungria, República Checa, Polônia, Bulgária, Romênia e outros atraíram uma grande quantidade de empresas, o que garantiu o emprego de muita gente.
Esse fenômeno continua, mas o quadro começa a mudar. Os salários médios do leste são 25% mais baixo do que no oeste da Europa. Entretanto, em apenas dois anos, os salários reais na República Checa, subiram 11,5%, e na Hungria, 20%, assim ocorrendo em outros países da região.
A reação das empresas foi rápida. Em 2002, a IBM da Hungria se mudou para a China onde o custo do trabalho é 75% mais baixo. A Philips transferiu uma série de atividades para a China que ceifaram 1.500 empregos dos húngaros. A Flextronic da Republica Checa fez a mesma coisa deixando sem emprego mais de 1.000 trabalhadores.
Exemplos desse tipo dão um frio na barriga. O mercado de trabalho da Ásia está arrancando dos países do leste europeu os investimentos que para lá se dirigiram na última década. As empresas não buscam apenas os salários mais baixos da Ásia. Elas querem entrar na enormidade do mercado interno daquela região, em especial da China, cujo PIB cresce a 8% anuais por mais de 20 anos.
Os países do leste europeu querem evitar uma eventual debandada de empresas e empregos. De imediato, decidiram investir na qualidade de sua educação técnica, introduzindo inúmeras inovações institucionais. Uma lei recente da Hungria, por exemplo, colocou os empresários industriais nos conselhos das escolas técnicas com o objetivo de induzi-las a atualizar seus currículos com base nas tecnologias atuais e emergentes - solução, aliás, adotada pelo Brasil no Sistema S, desde a década de 40.
Voltando ao tema, o mercado de trabalho está entrando em uma guerra feroz, do mesmo tipo que aconteceu nos anos sessenta quando, por força dos altos custos de produção, as empresas americanas foram para o Japão; nos anos setenta, pelo mesmo motivo, saíram do Japão e invadiram os Tigres asiáticos; e nos anos noventa migraram para Filipinas, Indonésia, Malásia, Bangladesh, leste europeu e outros.
Concomitantemente com o deslocamento das empresas, há na praça um novo fenômeno. Nos dias atuais, muitas empresas ficam onde estão e os empregos migram. Na Índia, mais especificamente em Bangalore, 30 contadores fazem análise de empréstimos pessoais que são concedidos pela Greenpoint Mortgage of Novato, California e centenas de radiologistas interpretam diariamente testes de ressonância magnética realizados no hospital do Massachussets General Hospital, Massachussets, enviando os resultados em tempo real. Ao norte de Nova Delhi 2.500 jovens trabalham em três turnos para processar as reclamações e pedidos de indenização de uma das maiores seguradoras americanas. Mais de três mil engenheiros trabalham na Índia para a empresa HP dos Estados Unidos. Em Manila e Shangai funcionam milhares de escritórios de retaguarda das maiores empresas do mundo.
Dentro dessa guerra, a União Européia começa a se defender, usando sua costumeira bateria de armas protecionistas. Há pouco tempo, o Parlamento Europeu proibiu que dados bancários sejam armazenados e trabalhados fora da União Européia. Com a entrada de dez novos países na União Européia, em 2004, muitas nações do leste europeu poderão se beneficiar com essa medida, atraindo para si o que hoje vai para a Ásia.
Até o momento, a guerra do mercado de trabalho tem beneficiado os países que têm boa educação, profissionais bem treinados, salários mais baixos e leis de boa qualidade.
Dentro desse quadro, o Brasil tem poucas chances de tirar proveito. A nossa força de trabalho tem apenas 4,5 anos de escola - e má escola. O número de profissionais bem treinados é mínimo. E as leis trabalhistas formam um cipoal oneroso e burocratizado que assusta os investidores, especialmente os pequenos e médios. Ao lado disso, a nossa informalidade é brutal e cercada de baixa produtividade.
As mudanças das leis trabalhistas que começam a ser discutidas no Fórum Nacional do Trabalho terão de levar tudo isso em conta. Afinal, não estamos isolados do mundo. As decisões tomadas internamente instigam movimentos externos e isso não é bom para o Brasil. Não podemos perder os poucos empregos que aqui existem.
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