Publicado no Jornal da Tarde, 29/10/2003.
Procuram-se bons empregos
Com um título forte como esse o Banco Interamericano de Desenvolvimento acaba de publicar um dos mais completos estudos sobre o mercado de trabalho na América Latina. O relatório cobre todos os aspectos, indo do diagnostico técnico às políticas públicas, passando por análises rigorosas dos efeitos das reformas estruturais e dos regulamentos legais no campo trabalhista.
Neste último aspecto, resumirei abaixo as principais conclusões do estudo. Faço esta opção porque o Brasil está estudando neste momento várias mudanças nas suas instituições do trabalho. Penso valer a pena meditar sobre algumas lições do estudo, como as seguintes.
1. O nível de emprego está intimamente ligado ao desempenho do PIB e também das regras de proteção do trabalho. Para o mesmo nível de PIB, as pesquisas revelam que leis mais protetoras e despesas de contratação mais altas resultam em menos empregos e empregos de pior qualidade.
2. Proteções legais demasiadamente ambiciosas levam as empresas a repassar parte dos custos aos trabalhadores na forma de salários mais baixos e reduzidas oportunidades de emprego. Ademais, tais proteções amparam os trabalhadores de renda mais alta e desprotegem os de renda mais baixa. Na mesma linha, elas protegem os trabalhadores das grandes empresas - a minoria - e desprotegem os trabalhadores das pequenas empresas - a maioria.
3. Benefícios legais arrojados forçam os trabalhadores do mercado informal a permanecerem por muito tempo nesse mercado e a sofrer longos períodos de desemprego e desproteção.
4. A rigidez excessiva das leis de proteção aumenta o custo de contratação da mão-de-obra, reduz a oferta de vagas, estimula a informalidade e aumenta o desemprego.
5. Mudar o sistema de financiamento da Previdência Social da folha de pagamento para impostos sobre a renda ou o consumo não reduz as despesas finais para a contratação de trabalho.
6. É preciso fazer cumprir as leis que protegem os trabalhadores através de fiscalização, pedagogia e punição. Mais importante, porém, é aprovar as leis só depois de uma análise aprofundada de seus benefícios e custos. Uma aplicação rigorosa de uma lei de má qualidade redunda em taxas de emprego mais baixas.
7. Reformas trabalhistas parciais como, por exemplo, a adoção de contratos de trabalho temporários ou por prazo determinado, não resolvem os problemas e não são substitutas para reformas abrangentes.
O leitor pode encontrar essas conclusões no livro Procuram-se bons empregos: o mercado de trabalho na América Latina, Washington/São Paulo: BID/Editora Saraiva, 2003). Essas conclusões não vieram da cabeça dos burocratas. Elas se baseiam em uma enormidade de pesquisas - citadas na bibliografia - e na experiência de pesquisadores de larga tradição no campo trabalhista.
Por coincidência, o grupo de técnicos do departamento de estudos trabalhistas do Fundo Monetário Internacional, chegou às mesmas conclusões em um trabalho publicado em abril deste ano. Revendo 49 pesquisas realizadas em 20 países diferentes e ao longo de 30 anos (1960-98), os técnicos concluíram que reformas abrangentes e bem desenhadas - para o mesmo nível de PIB - alavancam a geração de empregos e reduzem o desemprego de forma substancial. Reformas parciais são ineficazes (International Monetary Fund, World Economic Outlook: Growth and Institutions, Washington: FMI, 2003).
Tais resultados estão aí para serem utilizados ou desmentidos. Os que insistem em querer resolver tudo por lei no campo trabalhista terão de desmenti-los. Os que acreditam na veracidade dessas pesquisas terão de propor reformas abrangentes. Reformas parciais e fatiadas não funcionam porque uma acaba boicotando o efeito da outra e o resultado final é zero.
Espero que no exercício democrático que vem sendo feito no Fórum Nacional do Trabalho esses fatos sejam levados em conta para que o Brasil chegue a um sistema de relações do trabalho que resolva os três principais problemas mais críticos dessa área, ou seja, o desemprego de 13%, a informalidade de 60% e os 2 milhões de ações que tramitam na Justiça do Trabalho.
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