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Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/03/00

O trabalho dos portadores de deficiência - I

José Pastore

Durante muito tempo, os portadores de deficiência física, sensorial ou mental foram objeto de caridade e filantropia. Por ignorância, preconceito e medo, as sociedades evitavam o contato e bloqueavam o seu trabalho.

Ainda hoje, devido à persistência de desinformação e inadequação das condições de arquitetura, transporte e comunicação, muitas pessoas talentosas e produtivas são afastadas do mercado de trabalho.

Nada justifica tratar os portadores de deficiência como cidadãos invisíveis. Ao contrário, com a elevação crescente do seu nível educacional e o advento das tecnologias de telecomunicações e informática, o número dos que têm condições de produzir com qualidade, aumenta a cada dia. A maioria apresenta limitações superáveis mediante arranjos institucionais e acomodações no trabalho.

Modernamente, é consenso que a criação de condições adequadas para a vida dos portadores de deficiência é de responsabilidade de toda a sociedade. O Brasil possui vários dispositivos legais de âmbito federal, estadual e municipal dentro dessa filosofia. Mas entre legislar e acontecer, vai uma grande distância.

No Brasil, há cerca de 16 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência física, sensorial ou mental. Dentre os 9 milhões que estão em idade de trabalhar, apenas um milhão trabalha - 11% - enquanto nas nações avançadas, isso ultrapassa os 30%. Quando trabalham, os portadores de deficiência ganham menos e têm pouca segurança no emprego.

Recentemente, o governo federal editou o Decreto no. 3.298 (20/12/99), que regulamenta a Lei no. 7.853 (24/10/89) e estabelece uma política para a integração dos portadores de deficiência na sociedade e no trabalho.

Embora o decreto preveja que a inserção no mercado de trabalho possa de dar de variadas maneiras (colocação competitiva, colocação seletiva e trabalho por conta própria), a espinha dorsal daquele instituto repousa na reserva de postos de trabalho para portadores de deficiência nas empresas com 100 ou mais empregados, com base nas seguintes quotas: I - 100 a 200 empregados, 2%; II - de 201 a 500, 3%; III - de 501 a 1.000, 4%; IV - mais de 1.000, 5%.

Será que essa é a forma mais eficiente para se ampliar as oportunidades de trabalho para essas pessoas?

Muitos países usam quotas. Mas nenhum teve sucesso com base exclusiva em quotas. Pela natureza de suas atividades, muitas empresas não têm condições de cumprir as quotas. Outras, pelo seu tamanho avantajado, não encontram portadores de deficiência em número e capacitação suficientes para preencher sua quota. Há ainda os casos de empresas que não têm recursos para reformar instalações.

As pesquisas mostram ainda que, quando a empresa admite porque é obrigada a admitir, os portadores de deficiência são alocados em setores marginais e, muitas vezes, passam a ser estigmatizados pelos próprios colegas - o que é desumano e contraproducente.

Essas constatações levaram muitos países a evoluir para o sistema de quota-contribuição. Ou seja, as empresas que, por qualquer motivo, deixam de contratar os portadores de deficiência previstos nas quotas, ficam obrigadas a recolher para um fundo especial, um percentual do que gastariam com aquela contratação ou, alternativamente, contratam através de instituições especializadas em "trabalho protegido" ou empresas a elas relacionadas, nas quais os portadores de deficiência trabalham de forma produtiva e bem acomodados.

No caso do fundo, este é gerido por representantes do governo, empresas e portadores de deficiência. Na maioria dos casos, os recursos são usados para custear três tipos de atividades: (1) os serviços de habilitação e reabilitação; (2) a manutenção de instituições de e para portadores de deficiência; (3) a estimulação das empresas (através de empréstimos e doações) com vistas a ampliar o seu interesse na contratação de portadores de deficiência. Os estudos mostram que as empresas que têm boas experiências com portadores de deficiência, tendem a contratá-los continuamente. Daí a importância de se remover os desestímulos à contratação.

Ao dispor de várias alternativas, as combinações vão se sucedendo e o mercado de trabalho para os portadores de deficiência vai se ampliando. Há casos em que, uma parte da quota é admitida e trabalha no recinto da empresa; outra trabalha em empresas a ela relacionadas ou em instituições de e para portadores de deficiência.

O Brasil pode melhorar muito o sistema atual. No próximo artigo apresentaremos um conjunto de sugestões nesse campo.