Publicado no Jornal da Tarde, 24/12/2003
450 anos: e o trabalho?
Ao chegar aos 450 anos, um dos problemas mais graves da cidade de São Paulo é a falta de emprego. A doença é nacional. Mas chega a ser irônico ver isso acontecer na cidade que sempre se destacou pela sua pujança econômica e dentro de um estado que é a locomotiva do país.
O fato é que tanto a capital como o estado se ressentem do fraco desempenho econômico do país que se prolonga por vinte anos. Afinal, São Paulo produz para o Brasil comprar. Se a recessão devasta o poder de compra - que já é pequeno - São Paulo sofre, a despeito da sua capacidade de exportar. Aliás, é isso sustentou, em grande parte, mas de forma precária, os empregos remanescentes.
São Paulo tem vantagens e, também, problemas específicos. Este estado é uma das regiões mais urbanizadas do mundo, com grandes concentrações populacionais, para as quais a economia deve prover milhões de empregos.
Vejam estes números. Cerca de 93% dos que moram em São Paulo estão nas cidades. Na Espanha, Estados Unidos, França e Japão a taxa de urbanização oscila de 75% a 80%. Na Itália, é de apenas 67% e em Portugal 38%.
A capital e o restante do estado de São Paulo viraram uma gigantesca massa urbana. Com a falta de emprego, as cidades tornaram-se palco de graves problemas sociais, em especial, da violência. A mortalidade por homicídios no município de São Paulo é de 54 por cem mil habitantes, uma das mais altas do mundo. No estado, chega a 39 por cem mil habitantes - igualmente preocupante.
O desempenho de São Paulo em matéria de emprego tem sido anêmico. Em 1993, a taxa de desemprego aberto na Região Metropolitana do Estado, já era alta - 8%. Hoje, é catastrófica - 14%!
Foi um aumento colossal. O desemprego de hoje é 75% maior ao do início da década passada. Na capital, o salto foi de 7% para 12% - um aumento de 71%. Não há uma só família que não tenha um ou mais parentes desempregados ou vivendo de bicos e de atividades intermitentes que caracterizam o desemprego oculto. Outros pararam de procurar emprego - o desemprego por desalento.
Na Região Metropolitana, o desemprego total (aberto + oculto + desalento), que era de 13,8% há dez anos, chegou a 20,4% no final de 2003. No aniversário dos seus 450 anos, a capital não têm muito a comemorar no campo do emprego. O mesmo se diz do estado.
O que dizer do futuro? O emprego em São Paulo passa por profundas mudanças. Na Região Metropolitana, por exemplo, dos 53% da população que estavam ocupados em 1985, cerca de 37% eram assalariados; hoje, são apenas 32%. Em 1985, 28% dos assalariados possuíam registro em carteira e gozavam de proteções previdenciárias. Hoje, são apenas 21%. Na capital, a informalidade é igualmente grave. Nos dois casos, houve redução de 25% dos trabalhadores protegidos - uma queda lastimável.
Por outro lado, os autônomos da Região Metropolitana passaram de 8% (1985) para 11,5% nos dias atuais - um aumento de 44% e os assalariados sem registro em carteira saltaram de 4,4% para 7,2% - um estouro de 64%! Presentemente, para cada 100 novos postos de trabalho criados, 75 são na informalidade. Na capital de São Paulo, o quadro é pior: a informalidade cresceu em 68% no período.
O avanço da informalidade está ligado ao baixo crescimento da economia brasileira, à rigidez da legislação trabalhista e às transformações da estrutura de empregos.
A cidade de São Paulo, em especial, tem passado por profundas mudanças nesta última dimensão. Dos 57% das pessoas que estavam ocupadas em 1988, 19% trabalhavam na indústria (incluindo a construção civil); hoje, são apenas 10,5% uma redução de 45%. O comércio ficou estável, tendo passado de 8,4% para 8,6% e os serviços aumentaram um pouco mais, saltando de 25,2% para 28,5%.
O grosso da população paulistana passou a amargar o desemprego, o subemprego e as condições precárias de trabalho. Sim porque a maioria dos bons empregos está na indústria (que encolheu) e, em menor escala, em certos serviços (bancos, seguradoras, profissões liberais).
Para todos os setores, o recrutamento passou a exigir mais competência. Em uma pesquisa realizada em todo o Estado de São Paulo, em 1996, foi possível identificar - naquela época - exigências elevadas. Estudando-se os requisitos mínimos usados para admitir os que estavam trabalhando nos vários setores, a polivalência foi o atributo mais requerido.
Isso é natural na sociedade de serviços. Mas, apesar do nível educacional de São Paulo ser superior à média nacional, tais exigências são fortes. Por exemplo, no setor bancário, o grupo dos caixas, escriturários e auxiliares assim como o dos gerentes e chefes são recrutados com grande rigor. No primeiro grupo, 24,1% têm um bom conhecimento de língua estrangeira; para os gerentes e chefes, isso chega a 63,6%. No campo da informática, o seu domínio ocorre com 81,2% dos caixas, escriturários e auxiliares e 92,5% dos gerentes e chefes.
A tabela abaixo dá uma idéia das exigências dos vários setores em 1996. De lá para cá, o rigor aumentou. Só são "empregáveis" as pessoas que dispõem de uma bagagem razoável de conhecimentos e atitudes.
Atributos do pessoal ocupado (%)
Requisitos exigido na contratação |
Indústria |
Agroindustria |
Bancos |
Comércio |
Pessoal de produção |
Gerentes e chefes |
Pessoal de produção |
Gerentes e chefes |
Caixas, escriturários auxiliares |
Gerentes e chefes |
Pessoal de vendas |
Gerentes e chefes |
Cursos profissionaise técnicos |
41,4 |
62,2 |
32,9 |
63,1 |
---- |
---- |
19,2 |
51,8 |
Experiência Profissional |
70,7 |
89,5 |
64,9 |
91,0 |
73,0 |
95,5 |
74,0 |
88,4 |
Lingua estrangeira |
1,9 |
39,6 |
3,9 |
31,9 |
24,1 |
63,6 |
3,7 |
22,6 |
Informática |
9,6 |
74,8 |
10,0 |
78,0 |
81,2 |
92,5 |
31,9 |
73,1 |
Responsabilidade e iniciativa |
76,4 |
90,1 |
76,5 |
91,3 |
89,9 |
97,0 |
84,2 |
90,4 |
Liderança |
30,6 |
89,3 |
32,3 |
91,4 |
20,0 |
95,5 |
44,9 |
91,0 |
Capacidade de Trabalhar em Grupo |
79,5 |
88,4 |
81,7 |
90,7 |
81,2 |
91,0 |
83,7 |
89,5 |
Fonte : Pesquisa SEADE, 1996
Os dados dão lições importantes. No caso do pessoal de produção da indústria, mais de 40% tiveram de preencher requisitos de cursos de formação profissional ou assemelhados. Para gerentes e chefes, isso saltou para mais de 60%.
As atitudes são igualmente valorizadas. Para o primeiro grupo, na indústria, 76,4% tiveram de demonstrar iniciativa e responsabilidade e, praticamente, 80%, capacidade de trabalhar em grupo. No caso de gerentes e chefes, tais requisitos são ainda mais demandados.
Analisando-se essas exigências, o leitor verá que o mercado de trabalho de São Paulo encolheu e tornou-se exigente. O que devem esperar os que vão entrar no mercado de trabalho depois da comemoração dos 450 anos?
De um lado, sua sorte vai depender da superação dos grandes constrangimentos econômicos que travam o Brasil. Mas essa dificuldade não é eterna. A imensa potencialidade deste país fará a economia crescer ao longo da década.
Mas a sorte dos jovens dependerá também do que eles carregarem na sua bagagem pessoal. Para você que vai enfrentar o mercado nos próximos anos deixo algumas sugestões.
Lembre-se que o tempo do pistolão acabou. As empresas já não podem contratar trabalho e empregados que onerem seus custos sem um retorno compensador, pois isso arruina a competitividade, levando-a à falência e à destruição dos empregos.
Nos dias atuais, não basta ter diploma de boas escolas. O diploma diz o que lhe ensinaram. Mas as empresas estão interessadas em saber o que você realmente sabe. Elas buscam solucionadores de problemas, e não colecionadores de currículos.
Os recrutadores sabem não existir um profissional pronto e acabado. Eles selecionam profissionais semi-prontos mas que têm capacidade para aprender continuamente. A entrada constante de novas tecnologias transformaram as empresas em escolas. Nelas, ensina-se e aprende-se o tempo todo. Por isso, jovem leitor, procure desenvolver dentro de si, a obsessão pela aprendizagem, pela leitura, pelo saber, pelo conhecimento. Inocule-se com o vírus da curiosidade e não pare de ler nunca. Divida o seu tempo entre trabalho, lazer e leitura. Leia dentro da sua profissão e ao redor dela.
Modernamente, o mercado de trabalho valoriza muito as condutas. Não basta ter um bom conhecimento sobre o seu ofício. É preciso trabalhar com gosto. Garra, zelo, comprometimento, disciplina, relacionamento, responsabilidade, iniciativa e tantos outros são atributos essenciais para compor a sua empregabilidade.
Finalmente não pense apenas em emprego. Considere também outras formas de trabalho. Entenda que, ao longo de sua vida, você fará muitos casamentos e recasamentos nesse mercado, ora no mundo do trabalho, ora no mundo do emprego, num contínuo ziguezague entre um e outro mundo. Essa é a tendência do trabalho moderno.
Por isso, faça a sua parte. Exerça a sua cidadania. Pressione os governantes com cartas, fax, e-mails e telefonemas para recolocarem o Brasil na trajetória do crescimento. Do seu lado, prepare-se de forma intensa e contínua para enfrentar com êxito as dificuldades do mundo do trabalho. São Paulo construiu muito nesses 450 anos e haverá de construir muito mais. Comemoremos com esperança e trabalho pessoal o 25 de janeiro que se aproxima e, antes disso, o Natal e o novo ano.
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