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Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/12/2003

O emprego em 2004

Os dados de São Paulo e do Brasil mostram que o setor industrial está conseguindo produzir mais com menos trabalhadores. Em 1994, a indústria de São Paulo empregou 2.179 milhões de pessoas. Em 2003, 1.523 milhão. Foram para o espaço, cerca de 650 mil empregos - uma redução de 30%!

O fenômeno é mundial. No mesmo período, as 20 maiores economias do mundo perderam cerca de 22 milhões de empregos industriais. Os Estados Unidos perderam 11% dos postos de trabalho da indústria; a própria China, perdeu 15%; o Japão, 16%. E o Brasil, 20%.

Grande parte das perdas foi devida aos ganhos de produtividade da indústria moderna decorrente de novas tecnologias, especialmente da informática e telecomunicações. No Brasil a produtividade do trabalho em 2003 - um ano péssimo - aumentou 1% em relação a 2002. Nos Estados Unidos deu-se o mesmo: a produtividade cresceu na recessão. Isso significa que, para enfrentar as dificuldades, as empresas tomam providências para melhorar a eficiência. Na hora da retomada econômica, não empregam imediatamente, pois são capazes de produzir muito com poucos trabalhadores.

Tudo indica que a maior parte dos empregos destruídos na indústria não voltam. Nesse sentido, a indústria segue a trajetória histórica da agricultura. Nos Estados Unidos do início do século XX, um terço dos americanos trabalhavam na agropecuária. Hoje são apenas 3% e o setor é um dos mais produtivos do mundo. Em 1947, 35% da força de trabalho estava na indústria. Hoje, são apenas 12%. Nos dois casos, os empregos destruídos nunca mais voltaram.

E o que vai acontecer no Brasil em 2004? Será que os 2% ou 3% de crescimento previstos trarão de volta os empregos industriais? Não. A maior parte foi definitivamente perdida. Uma pequena parte pode voltar. Uma retomada efetiva do crescimento e da renda forçará uma expansão da demanda interna o que, por sua vez, induzirá contratações mesmo nas indústrias enxutas e eficientes.

Só que esse tipo de movimento é lento. No início da retomada, os empresários evitarão admitir, porque, no Brasil, o custo de contratação e descontratação é muito elevado (103,46% dos salários). Assim, a tendência da indústria será de fazer horas extras e otimizar turnos. Uma vez consolidada, a retomada poderá induzir a busca de mais trabalhadores.

Seria a produtividade, então, a vilã do emprego? Longe disso. É graças a ela que as indústrias sobrevivem, se expandem e pagam melhores salários. Ademais, os lucros conseguidos com as novas tecnologias são a fonte dos investimentos no setor e fora dele, principalmente, no comércio e serviços, com aumento do emprego geral.

Infelizmente o caminho para a travessia entre produtividade, renda, demanda e emprego no Brasil não está lubrificado. Ao contrário, ele está obstruído por inúmeros fatores que conspiram contra o emprego tais como as escorchantes taxas de juros reais, a leonina tributação, o cipoal burocrático e a rígida legislação trabalhista.

O ambiente para a retomada dos negócios e do emprego é desfavorável. Com isso, a decisão de empregar é retardada até o limite máximo, prolongando desnecessariamente o sofrimento dos trabalhadores.

Em face disso, o que prever para 2004? A prática não deve se afastar muito da teoria. Mesmo com uma estimativa de crescimento heróica, digamos, de 1,5% no primeiro semestre e 2,5% no segundo, o mercado de trabalho reagirá lentamente. Na indústria, as novas contratações serão contidas por um bom tempo. As empresas explorarão ao máximo a eficiência que ganharam. Só depois, partirão para novas contratações. No comércio e serviços a expansão pode ser mais acentuada no segundo semestre, tudo dependendo dos juros reais. Se estes se reduzirem, é provável que o ano feche com uma taxa de desemprego em torno de 11% - inferior aos 12,2% atuais, o que será um grande feito.

Mas, no processo de expansão do emprego, haverá muitos deslocamentos de pessoal de um setor para outro e entre profissões. Educação e reciclagem serão essenciais para azeitar a transição. A legislação trabalhista continuará dificultando o emprego e fazendo explodir a informalidade, como se viu na última pesquisa do IBGE. Não se antevê nenhuma mudança nessa área em um ano que é eleitoral. Isso reduzirá o efeito de uma eventual diminuição dos juros reais. É uma pena.

Em suma, o ano de 2004 pode ser um pouco melhor. Mas, muito provavelmente, você vai ser desafiado a atuar em outro setor de atividade, em outra condição de trabalho ou em outra profissão. Mas isso não é desastre. O importante é poder construir sua vida dignamente e com base no trabalho.

Embora acanhada, espero que essas previsões se confirmem. Desejo-lhe boa sorte no ano que se inicia.