Publicado na Folha de São Paulo, 02/01/2000
O trabalho na virada do século
Você é do tempo tempo em que a General Motors ganhava dinheiro vendendo automóveis, e a Varig, transportando passageiros?
Bons tempos. Hoje a General Motors fatura muito com financiamentos de vários tipos. A Varig vende caro aos bancos a marca "smiles"para ser incluída nos cartões de crédito. A General Eletric, que produz turbinas de aviões, tomógrafos e ressonância magnética ganha mais com assistência técnica do que com a venda de equipamentos. Para os seus técnicos, o lema é: "Enterrem-se no quintal dos clientes para que eles nunca mais venham a viver sem nós". A mutação das empresas faz com que as profissões mudem e os postos de trabalho sejam criados, destruídos e deslocados diariamente.
A revolução tecnológica também produz mudanças de fundo. Na década de 70, uma inovação industrial durava, como novidade, 2 anos; na década de 80, 1 ano; hoje, 6 meses. Em certos campos, menos do que isso. Na informática e nas telecomunicações, as novidades duram três ou quatro semanas. Muitas se tornam obsoletas quando entram no mercado.
Para acompanhar o ritmo frenético das mudanças, não basta para os trabalhadores ser adestrado. Eles precisam ser educados - e bem-educados. Só assim conseguirão ler e entender os manuais de instrução das novas tecnologias. A coisa mais triste é a obsolescência humana. Não há nada mais trágico do que ouvir de um chefe: "Lamento dizer, mas o que você sabe não é mais útil para nós".
A metamorfose das profissões e do conhecimento não é nova. Mas ela está sendo acelerada. Muitas profissões foram atropeladas pelas novas tecnologias. No setor gráfico, por exemplo, sumiram os linotipistas. Nas ferrovias, desapareceram os inspetores que batiam nas rodas dos vagões para checar a estrutura do metal. Nos transportes, são raros os charreteiros que transportam passageiros. Nas fundições, sumiram os que fazem moldes. Nas redações, estão desaparecendo os revisores. Nos grandes armazéns, os almoxarifes estão sendo substituídos pelos computadores.
No mundo moderno, as máquinas ficaram baratas e inteligentes, passando a competir, com êxito, com os humanos. Para não perder a corrida, os trabalhadores têm de ser bem-educados e superar a inteligência eletrônica.
Mas a mutação das empresas e a revolução tecnológica abriram espaço para novas profissões. Na aviação, por exemplo, projetista, estilistas, arquitetos, decoradores, analistas de sistemas, controladores de tráfego e vários outros não faziam parte dos quadros de pessoal das empresas há 30 anos. Nos setores de informática e telecomunicações, praticamente todas as profissões são novas. No campo dos serviços pessoais, foi impressionante a explosão dos "personal trainers", atendentes de crianças e idosos, massagistas, acupunturistas e tantos outros. Na medicina, houve uma enorme proliferação das profissões mistas ligadas ao diagnóstico por imagem, ao tratamento físico-químic, às cirurgias complexas - a ponto não se distinguir um médico de um engenheiro. No campo da hotelaria, as transformações foram imensas para recepcionistas, organizadores de eventos etc. Um cozinheiro de hotel dos dias atuais tem de lidar com equipamentos e receitas inexistentes há vinte anos. A lista é enorme.
O mercado de trabalho passa por uma enorme transformação. De nada adianta gritar: "Parem o mundo porque eu quero descer". Os seres humanos e as instituições terão de acompanhar essas mudanç
Na verdade, a sociedade foi subdividida: mundo do emprego e mundo do trabalho. O primeiro (composto de empregos fixos, em tempo integral e de longa duração) encolhe a cada dia. O outro (composto de novas modalidades de trabalho em tempo parcial, por projeto, terceirizado etc.) se expande a cada hora. As instituições trabalhistas (Constituição, CLT, Justiça do Trabalho etc.) mal dão conta do mundo do emprego. A criação de novas instituições e a reformu;ação das atuais são os grandes desafios da virada do séc
No terreno pessoal, o mercado de trabalho esta em busca de polivalência e multifuncionalidade. Já não basta ter um diploma é preciso ter respostas. Não é suficiente ser especialista, é necessário saber um pouco das profissões correlatas. Pouco adianta dizer o que você estudou, é preciso provar que você continua estudando e que isso é feito com gosto e prazer. É importante mostrar que você tem dentro de si o vírus da curiosid
O novo mundo do trabalho não será benevolente com os incapazes e os preguiçosos. O apadrinhamento e o pistolão estão acabando. À juventude só resta se preparar adequadamente. Aos mais velhos, atualizar-se no que é possível. Aos governos, providenciar novas instituições e melhor educação.
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