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Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/02/2004

Confiança gera emprego

O governo parece ter percebido, finalmente, a monumental diferença que existe entre o capital especulativo e capital produtivo. O primeiro anima os jogadores; o segundo dá vida aos trabalhadores.

As viagens do Presidente Lula têm sido muito criticadas, mas é inegável que, nas últimas incursões internacionais, ele se empenhou em convencer os capitalistas a fazer investimentos produtivos no Brasil. Assim foi em Nova Dehli e em Genebra e também na articulação nos Estados Unidos entre bancos oficiais, organismos internacionais, grandes empresas e fundos de pensão. Internamente, o governo propôs uma medida, em discussão no Congresso Nacional, afrouxando a lei de responsabilidade fiscal para facilitar a participação dos parceiros do setor público nos programas do PPP.

O fato concreto é que depois de um ano de sucesso ao controlar a inflação, estabilizar o câmbio, reduzir os juros e pagar as dívidas, os capitais produtivos não se animaram. Continuam fugidios. O investimento direto do exterior que, em 2000 foi de US$ 30 bilhões, em 2003, despencou para US$ 10 bilhões. A febre dos estrangeiros para comprar empresas brasileiras acabou. Raros são os empresários que expandem ou abrem negócios de grande porte, a não ser os voltados para o mercado externo.

Por força de meu ofício, converso constantemente com produtores pois, afinal, é de suas decisões que saem os postos de trabalho. A conversa é cifrada. Estão impressionados e surpresos com o bom desempenho do Brasil na macroeconomia. Mas querem esperar.

Esperar o quê? Alegam que em 2003 foram destruídos 900 mil postos de trabalho, o desemprego saltou para 12% e a renda caiu 15%, derrubando o poder de compra da população. Como investir onde não há consumidores?

Dizem ainda que, durante muito tempo, foram a vidraça dos estilingues dos sindicalistas que atacavam a sua imagem e paralisavam suas atividades por motivos alheios às próprias empresas. Os atiradores de ontem são os governantes de hoje.

Os produtores compreendem que, no governo, os sindicalistas apreenderam a falar uma nova língua, mas ainda têm um sotaque muito forte. E citam os exemplos abaixo.

- É inadmissível ver o governo se manter leniente aos que desrespeitam o direito de propriedade e invadem pedágios de estrada, terrenos urbanos (Volkswagen) e fazendas produtivas. Isso dá insegurança e gera desconfiança.

- É inaceitável ver um governador (Paraná) que cassa os direitos de concessão de uma estrada e um ex-ministro (Comunicações) que instigou a população a buscar na Justiça, a revogação de um indexador que fazia parte de um contrato assinado pelo próprio governo.

- Os investidores produtivos estão inseguros em relação ao tom centralizador do novo modelo para o setor elétrico e ao intervencionismo nas licitações, presente no projeto de lei que muda as PPP. Desejam saber até onde vai essa tendência, pois o governo atual deixou claro em sua macro-estratégia que veio para implementar um programa socialista no Brasil.

- Finalmente, querem ver até quando figuras de destaque do governo atual continuarão publicando artigos e dando entrevistas ameaçando quem remarcar preços e acusando os empresários atuais pela histórica desigualdade social do país, dando a impressão de serem a favor do emprego e contra as empresas - equação que só fecha em uma economia estatizada.

Quando ouço tudo isso, concluo, tristemente, que o Brasil terá de esperar um bom tempo até que o governo Lula construa junto aos investidores produtivos o mesmo ânimo que criou junto aos investidores especulativos.

É aí que mora a reversão de expectativas. Mercado especulativo é uma coisa; produtivo é outra. Os especuladores, ao primeiro boato do mercado - como aconteceu na semana passada - arrumam as malas e voam para longe. Os produtores, ao contrário, têm de amargar os prejuízos decorrentes da imobilidade de suas fábricas, lojas e fazendas.

Enquanto a confiança não voltar entre os investidores produtivos, o povo continuará nas intermináveis filas para as minguadas vagas no mercado de trabalho. O que está faltando é confiança. E confiança não se consegue da noite para o dia, especialmente, quando as promessas de hoje não casam com as condutas de ontem. Toda cicatrização leva tempo.