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Publicado na Revista Conjuntura Econômica, Vol. 53, no. 12, Dezembro de 1999

Mitos sobre o desemprego

As discussões sobre o desemprego têm girado em torno de inúmeros mitos. O primeiro é o que considera o desemprego como um problema mundial. A Alemanha, França, Itália, Espanha, de fato, têm apresentado taxas de desemprego bem acima dos 10%. Mas a Inglaterra registrou, em 1999, apenas 5,9% de desocupados; o Japão, 4,5%; os Estados Unidos, 4,2%; a Holanda, 3,1; e a Suíça, 2,3%.

Um segundo mito é o que culpa as tecnologias pelo aumento do desemprego. Uma máquina pode destruir um posto de trabalho onde entra e criar outros à distância. Por exemplo, a viagem aérea mais barata entre o Rio de Janeiro e New York, em 1960, custava US$ 3,000.00 (em valores de 1999); hoje, custa US$ 400.00. Se, de um lado, houve redução do tamanho das tripulações, a modernização da aviação ampliou as oportunidades de trabalho em vários outros setores, como o turismo, o transporte de carga, os negócios em geral, o comércio internacional, etc. - tendo gerado muito emprego.

A simples coincidência de avanços tecnológicos com aumento de desemprego não é suficiente para se concluir que as inovações tecnológicas são destruidoras de empregos.

Em 1960, uma ligação telefônica de três minutos entre o Brasil e os Estados Unidos custava cerca de US$ 45.00 (em valores de 1999); hoje, graças aos avanços tecnológicos, custa US$ 3.50. Isto determinou mudanças radicais no uso das telecomunicações que, por sua vez, passaram a movimentar novos negócios, facilitando transações, melhorando processos, criando produtos e gerando oportunidades de trabalho.

Em ambientes de liberdade econômica e concorrência sadia, as tecnologias expandem oportunidades comerciais e transformam os mercados de trabalho. A indústria dos Estados Unidos, por exemplo, começou nas margens dos rios da Nova Inglaterra, onde havia energia hidráulica e facilidades de transporte.

A substituição da energia hidráulica pela energia do vapor, decorrente de inovações tecnológicas - e mais tarde pela eletricidade - tornou as indústrias mais produtivas e mais móveis geograficamente. As novas tecnologias transformaram o transporte hídrico em ferroviário e, finalmente, em rodoviário e aéreo, o que provocou um grande deslocamento de empresas e trabalhadores naquela País.

A interiorização da indústria, por sua vez, facilitou o desenvolvimento da agricultura nas mais variadas regiões, gerando uma grande quantidade de novos postos de trabalho. A invenção do telégrafo, fez penetrar ainda mais as ferrovias em todo o interior dos Estados Unidos, intensificando a geração de empregos.

Nas transformações que trazem, as novas tecnologias destróem e criam empregos. Por exemplo, entre 1909-19 os produtores de carruagem dos Estados Unidos caíram de 70 mil para 26 mil. Em contrapartida, os trabalhadores das indústrias automobilísticas passaram de 85 mil para 394 mil. Entre 1930-70, os trabalhadores ligados à telegrafia caíram de 87 mil para 24 mil e a telefonia gerou 536 mil novos empregos.

O mundo atual está repleto de casos de tecnologias que criaram novos produtos e geraram novas demandas e novas oportunidades de trabalho. A televisão, o videocassete, o CD player, o tênis, a calça jeans, o McDonald's, o telefone celular, etc. são exemplos de inovações bem recebidas pelos consumidores e que geraram uma grande quantidade de postos de trabalho - diretos e indiretos.

Tecnologia, produtividade e emprego sempre andaram juntos. Os dados mostram que, mesmo onde há destruição de empregos devido a entrada de novas máquinas, esta é mais grave nos setores de baixa produtividade.

Por exemplo, entre 1990-95, a indústria brasileira destruiu 450 mil empregos por força da modernização tecnológica e da abertura da economia. Entretanto, os setores de que apresentaram ganhos de produtividade pequenos para os padrões brasileiros, da ordem de 2% ao ano (exemplos: madeira, fumo, têxtil, vestuário, calçados, artefatos de tecidos, couros e peles), destruíram o dobro de empregos quando comparados com os setores que registraram produtividade alta, de 8,5% ao ano (exemplos: material elétrico, comunicações, plásticos, bebidas, mobiliário, material de transporte, produtos alimentícios). Uma coisa é certa: uma economia de baixa produtividade está fadada a um dantesco desemprego.

O principal impacto das mudanças tecnológicas é na composição da força de trabalho. De um modo geral, as novas tecnologias demandam trabalhadores mais qualificados. Um bom nível educacional facilita a readaptação da mão-de-obra. Uma educação precária, dificulta.

Muitas vezes, novos postos de trabalho ficam abertos por falta de trabalhadores com a preparo adequado, criando a obsolescência do capital humano. Mas dizer que os avanços tecnológicos generalizam o desemprego é erro grave. A história mostra que o emprego sempre cresceu quando a produtividade aumentou.

O Brasil está em 37o. lugar no "ranking" mundial de trabalho qualificado - o que compromete severamente a adoção de novas tecnologias e a elevação da competitividade. Nossa força de trabalho possui, em média, apenas 4 anos de má escola. A dos Tigres Asiáticos, tem 10 anos de boa escola. A do Japão tem 11 e a dos Estados Unidos e Europa tem 12. Isso é essencial para o deslocamento e adaptação dos trabalhadores de um setor para outro ou de uma profissão para outra e para a manutenção de um bom nível de emprego. Educação não gera emprego mas garante a manutenção das pessoas nos postos de trabalho atuais e uma transferência mais fácil para novas oportunidades.

Para se avaliar o efeito final das tecnologias e dos sistemas de produção não basta examinar a destruição líquida de emprego que geralmente ocorre nos locais em que as inovações entram. É preciso examinar os efeitos de deslocamento de mão-de-obra e de criação de novas atividades e postos de trabalho em outros setores e empresas. No mundo atual, não há a menor possibilidade das empresas competirem fora dos avanços tecnológicos. Se a situação do emprego é difícil com tecnologia, ela seria catastrófica sem ela.

As novas tecnologias podem gerar novos postos de trabalho através dos seguintes mecanismos: (1) redução dos preços dos bens e serviços; (2) aumento dos investimentos; (3) elevação da renda; (4) criação de novos produtos; e (5) introdução de máquinas e equipamentos que necessitam novos trabalhadores (Vivarelli, 1995).

Um terceiro mito diz que o crescimento econômico é condição suficiente para gerar empregos e combater o desemprego. O crescimento é importante, mas não é tudo. Tanto que, para cada 1% de crescimento do PIB, os Estados Unidos criam 0,5% de emprego enquanto que a França, Itália e Alemanha geram apenas 0,06% (Vivarelli, 1997).

Além do crescimento, gerar emprego depende de boa educação e instituições trabalhistas inteligentes. Estados Unidos, Alemanha, França, Itália e Espanha, por exemplo, que possuem bons sistemas educacionais e tiveram taxas de crescimento semelhantes nos anos 1995-99 (entre 2,5% e 3,5%), diferem no desemprego. Enquanto os Estados Unidos ficaram com uma taxa média de 5%, a Alemanha amargou 12%; a França e a Itália, 13%; e a Espanha, 17%. A regulamentação dos negócios e as instituições trabalhistas contam muito.

Os americanos cultivam leis que estimulam o trabalho; os europeus ainda convivem com o inverso. As regras da Alemanha, França, Bélgica, Espanha e Itália tornam a tarefa de abrir um novo negócio quase duas vezes mais difícil do que nos Estados Unidos (WEF, 1999) o que está levando muitas empresas européias a migrarem para a América (onde geram empregos), em lugar de comprar rivais, já organizadas, dentro da Europa.

Um quarto mito argumenta que uma legislação trabalhista flexível deteriora a qualidade do trabalho. A realidade mostra o contrário. Nos últimos dez anos, cerca de 87% dos empregos criados nos Estados Unidos foram em tempo integral, e apenas 13% em tempo parcial, e a grande maioria com salários acima da média (Walwei, 1998).

O mundo moderno exige novas formas de trabalhar. O emprego fixo com salário fixo e em regime de tempo integral está dando lugar a outras modalidades de trabalho: tempo parcial, subcontratação, teletrabalho, "telecom-muting" e trabalho por projeto que tem começo, meio e fim,

A idéia de que a desregulamentação precariza trabalho tem no Brasil a mais eloqüente contraprova. Com uma legislação inflexível, chegamos a uma informalidade que atinge a 57% da força de trabalho. Nos países que cumprem as leis, a rigidez legal gera desemprego. Nos países em que a lei é afrontada, a rigidez instiga a informalidade.

Um quinto mito diz que a desindustrialização agrava o desemprego, ignorando que as empresas modernas passam por dramática mutação. Multiplicam-se a cada dia os casos de indústrias que executam serviços e de lojas que industrializam produtos, com profundos impactos qualitativos no mundo do trabalho. Cresce a demanda por trabalhadores polivalentes e por e instituições trabalhistas flexíveis.

No campo do emprego, o Brasil sofre de três doenças graves. Cresce pouco. Educa mal. Legisla péssimo. A saída do desemprego e informalidade atuais vai depender de bons investimentos, de uma educação de boa qualidade e de uma legislação que estimule o uso do trabalho humano.

Oxalá se confirmem as boas previsões de crescimento para o ano 2000 e se avance mais depressa na melhoria da nossa escola. Faltará, porém, enfrentar a urgente tarefa de modernizar a legislação trabalhista que, aliás, não depende do FMI, nem da Bolsa de New York ou dos humores do Federal Reserve, mas apenas de nós brasileiros.

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Vivarelli, Marco (1995) - The Economics of Technology and Employment, Aldershot (England): Edward Elgar.

Vivarelli, Marco (1997) - "Growth and Employment: Some Evidence on G-7 Economies", São Paulo: Seminário Internacional sobre Tecnologia e Emprego: Desafio Mundial.

Walwei, Ulrich (1998) - "Are Part-Time Jobs Better than no Jobs?", in Jacqueline O'Reilly e Colette Fagan, Part-Time Prospects: An International Comparison of Part-Time Work in Europe, North America and the Pacific Rim, London: Routledge.

WEF (1999) - Global Competitiveness Report, Genebra: World Economic Forum.