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Publicado em Jornal da Tarde, 03/11/1999

Migração de empregos

Passando pelas ruas onde, na minha juventude, se concentraram grandes indústrias, vejo hoje a multiplicação de shopping-centers, hipermercados e outros tipos de comércio e serviços.

Na Região do Grande ABC, a sucessão foi espantosa. A antiga fábrica da Chrysler foi ocupada por um enorme Carrefour. O edifício da Elevadores Otis abriga um gigantesco Wal-Mart. No prédio da Black & Decker instalou-se o luxuoso Shopping ABC Plaza.

A economia se transforma, as empresas mudam e os empregos migram. O emprego industrial virou trabalho no comércio e serviços. As grandes empresas encolheram e passaram atividades para unidades menores.

Há dez anos, o Banco Itaú possuía uma sofisticada padaria para abastecer os seus vários restaurantes. Hoje, a empresa compra pão de dezenas de padeiros. A mesma metamorfose aconteceu com os setores de marcenaria, hidráulica, eletricidade, etc. que saíram daquela empresa e se instalaram em outros setores. O banco achou melhor se concentrar no ramo de tomar e emprestar dinheiro...

Em 1989, as indústrias metalúrgicas de São Paulo utilizavam, em média, 80 trabalhadores; hoje usam 30. As montadoras de automóveis do ABC ocupavam, em média, 700 funcionários; atualmente, são apenas 350. O transformação e o encolhimento das empresas são reflexos da globalização, concorrência internacional, avanços tecnológicos, mudanças nos sistemas de produzir e vender e vários outros fatores.

Isso provocou um grande deslocamento dos postos de trabalho. As grandes empresas passaram a criar pouco trabalho, ficando essa tarefa para as pequenas e médias unidades.

Sheila Najberg e Paulo André de Souza Oliveira, em excelente trabalho, (A Dinâmica Recente do Emprego Formal no Brasil, Rio de Janeiro: BNDES, 1999) mostram que, na década de 90, os grandes campeões do emprego formal (com registro em carteira) foram exatamente os estabelecimentos com menos de 100 empregados, que constituem 98,5% do total e respondem por 45% dos empregos formais no Brasil.

Essa proporção sobe muito, é claro, se, aos empregos formais, somarmos os postos de trabalho do mercado informal, que é constituído basicamente por autônomos e micro-unidades de produção e vendas.

Recentemente, visitando uma grande montadora de automóveis, fiquei com a nítida impressão de que o número dos vendedores que compõem uma enorme feira fora da fábrica e que vendem para os seus funcionários é muito maior do que o quadro de pessoal da empresa. Ou seja, a montadora gera renda e os ambulantes geram trabalho.

O emprego formal cresceu mais depressa nos pequenos estabelecimentos do que nos grandes. Os dados da pesquisa citada indicam que, nas unidades de 1 a 4 empregados, o crescimento do emprego na década de 90 foi de 40%, enquanto que nas unidades com mais de 1.000 empregados, houve uma redução de 10%. Essa tendência de migração dos empregos e de realização do trabalho em pequenos ambientes - e, logo mais, em casa, através do teletrabalho - deve continuar.

É errôneo concluir, entretanto, que o trabalho realizado em pequenas unidades dispense qualificação. Apesar da grande explosão da informalidade, uma parte expressiva dos pequenos estabelecimentos vem incorporando tecnologias modernas e novos métodos de produção que exigem muita capacitação dos trabalhadores.

Mas, essa transformação é tão inevitável quanto dolorosa. Os trabalhadores são forçados a migrar (geográfica e setorialmente) e a se qualificar e reciclar em pouco tempo da mesma maneira que os sindicatos são demandados a encontrar adeptos em pequenas unidades. Nada disso é fácil.

Tudo indica, porém, que o mundo moderno terá de conviver com a descentralização da produção, "miniatuarização" do trabalho e maior demanda por qualificação. De nada adianta querer tentar inverter essa tendência só porque estamos sendo incapazes de assistir as vítimas da mudança. A sociedade também tem de se capacitar para essa nova tarefa. Esse é o grande desafio da educação.