Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/03/2004
10 milhões de desempregados
Com esse título, o Estadão iniciou na semana passada uma série de reportagens sobre o calamitoso quadro do desemprego. Ao falar em 10 milhões de desempregados fiquei com a impressão que o jornal quis contrastar o quadro atual com os 10 milhões de empregos prometidos pelo Presidente Lula em 2002.
De fato, no primeiro ano do governo Lula, o mercado de trabalho deteriorou-se de maneira acentuada. Fechamos 2003, com uma taxa média de 12,5% de desemprego, 60% de informalidade e 13% na queda de renda. Conseqüência: o mercado de consumo interno encolheu e o quadro do emprego agravou-se.
Desemprego, informalidade e queda de renda estão diretamente ligados a três fatores: crescimento baixo, legislação trabalhista inadequada e educação de má qualidade. Os três fatores interagem de maneira íntima. Para cada 1% de crescimento do PIB, são criados, aproximadamente, 300 mil postos de trabalho. Foi mais passado, quando a produção era menos intensiva em tecnologia e mais intensiva em mão-de-obra.
Assim, para atender a demanda dos 1,5 milhões de jovens que entram anualmente no mercado de trabalho, o PIB brasileiro precisaria crescer 5% ao ano - sem contar o "estoque" dos 10 milhões de desempregados.
Estamos longe disso. Em 2003, o PIB encolheu 0,2%. Para 2004, penso que crescerá 2% ou 2,5%. Afinal, já se foram quase três meses do ano, e a reação do mercado de trabalho foi pífia.
Em relação à informalidade o quadro é dramático - já chegou a 60% dos brasileiros que trabalham! Em 2003, o número de empregados do mercado formal (com registro em carteira de trabalho) diminuiu 0,5% e os do mercado informal cresceu 2,8%.
A expansão incontida da informalidade rebate na saúde financeira da Previdência Social e na capacidade de investimento dos setores público e privado e nos próprios empregos. Sim porque com responsabilidades crescentes e receitas decrescentes a Previdência Social e o governo são levados a tomar dinheiro emprestado, elevando a taxa de juros e inviabilizando os investimentos produtivos.
Em 2004, o desequilíbrio da Previdência Social terá um agravamento adicional referente ao pagamento de decisões judiciais determinando a revisão dos benefícios do INSS que chegará a R$ 9 bilhões. Ademais, a eventual aprovação da PEC paralela tenderá a agravar as finanças da Previdência Social do setor público, o que significa mais dívida, mais juros, menos investimentos e menos empregos.
Mas não há dúvida que o maior problema da Previdência Social é a espantosa informalidade. E aqui entra a legislação trabalhista. Para a grande maioria das empresas do Brasil, o excesso de burocracia e de despesas de contratação (103,46% sobre o salário) tornam o emprego formal um luxo pois, a nossa realidade é um grande formigueiro de pequenas unidades produtivas de baixa capacidade de formalização do trabalho.
De um total de 6.800 milhões de estabelecimentos registrados na Pesquisa do CAGED (Ministério do Trabalho e Emprego), cerca de 6 milhões possuem até 4 empregados. O Brasil é um grande país povoado por pequenos produtores.
O Fórum Nacional do Trabalho, que ora estuda propostas de reforma das instituições trabalhistas, teria de examinar com a mais alta prioridade essa sobrecarga de despesas que é colocada em empresas tão frágeis. Esse assunto foi deixado de lado sob o argumento de que mexer na legislação trabalhista não casa com o atual ano eleitoral. Ora, 2005 é véspera de ano eleitoral, e 2006 é outro ano eleitoral. nessa base vamos adiar esse tema eternamente...
E a educação? Os postos de trabalho de hoje têm exigências muito diferentes do que existiam há 20 ou 30 anos atras. Naquele tempo, bastava ser adestrado; hoje é preciso ser educado - e bem educado.
O adestramento permite a um trabalhador fazer uma tarefa bem feita pelo resto da vida. A educação dá a ele a capacidade de aprender durante toda a sua carreira. Como as tecnologias modernas e os métodos de produção mudam a cada dia, a empregabilidade depende mais de educação do que de adestramento. Isto, por sua vez, se relaciona à qualidade da educação básica e a objetividade da formação profissional - dois capítulos que estão a merecer muito mais atenção de nossas autoridades.
Enfim, o espetáculo do emprego não vai surgir de uma hora para outra. Dos três fatores indicados o mais rápido para ser solucionado é o da legislação trabalhista - que depende só dos parlamentares - e o mais demorado é o da educação - que depende de gerações. Mas os três precisam ser atacados com igual urgência. Quanto mais longo é o caminho mais depressa temos de começar a caminhar.
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